APOSENTADORIA

O dia parecia um outro qualquer, todos concentrados em seus afazeres e muito agito no departamento. A maquina de xérox funcionando a todo vapor, carimbos sendo arremessados e estampados literalmente contra folhas impressas cheias de idéias e de decisões e os telefones com o perdão do trocadilho sendo uma extensão do próprio corpo.

Mas para uma pessoa em especial, aquele não era um dia comum. Um filme passara em sua mente nos últimos dias. Tudo que ele sempre desejara, estava a poucos minutos de acontecer... Mas o relógio, contestando seus desejos parecia lento e a regozijar-se, vendo sua agonia no olhar insistente e claudicante. Um conflito de interesses nos dois lados do cérebro estavam deixando a casa em desordem, digo as idéias. Até o desjejum na lanchonete da esquina, antes de pegar no batente - foi em silêncio, e as polêmicas, que sempre fizeram parte de sua personalidade contestadora, naquele momento ficaram de lado. Não imaginaria que tudo aquilo ficaria no passado dentro de algumas horas, após tantos anos acordando cedo e com caminho certo nos dias de feira. Já passara também por lá nos sábados, não muitos é verdade, mas estes também não podiam ser esquecidos.

Na sua angústia misturada com melancolia procurava por uma palavra de conforto que fosse; não que precisasse, pois em seus devaneios de senhor da razão, jamais admitiria tamanha fraqueza. Ledo engano admitiria mais tarde... Mas só para si mesmo é claro! Foi na sala do cafezinho, na esperança de trocar algumas idéias com os colegas do departamento ao lado - e para seu desespero, parecia que todos estavam a mil naquele dia e sequer com vontade de “tirar a água do joelho”. Quem sabe, alguém ainda viria para um alívio qualquer e ele se aproveitaria da volta deste com uma boa puxada de conversa, deixando bem claro nas entrelinhas - que aquele seria seu último dia e que estava aguardando com ansiedade o momento de deixar tudo e descansar. Bom, descansar é modo de dizer pois há tempos não fazia muita coisa por lá. Na verdade queria proclamar para si mesmo, no seu discurso tradicional e desprovido de altruísmo, que estava muito feliz por todas as suas conquistas(sic) e em especial que iria deixar para trás tudo que lhe incomodava, sejam as pessoas, sejam as obrigações. Enfim queria mostrar toda a sua satisfação de deixar aquele lugar depois de longos anos de dedicação e nenhum reconhecimento.

Não percebia, mas o ódio alimentado durante muitos anos e sem nenhuma causa plausível e ainda transformado em palavras que fugiam do tom amistoso; só falava gritando e a todo volume, ia afastando as pessoas. Os amigos foram escasseando, sejam pela missão cumprida aqui no planeta ou pela legislação trabalhista depois de tantos anos de contribuição. Nos últimos tempos fora vítima de seu próprio monólogo, pois não suportava a palavra alheia. Perdera o saber ouvir. Deveria ter ouvido mais.

A saga dos ponteiros finalmente estava determinando o fim de sua jornada. Enquanto arrumava seus livros, alguns papéis e outros pertences, de soslaio procurava apoio nos colegas mais próximos e mais chegados; ledo engano, nenhum movimento perceptível. Ninguém sequer olhava. Não havia amigos nas proximidades, percebera. Talvez já soubesse disso há muito, mas também não dava muita bola. Quem sabe não precisasse de amigos. Mas... e se tivesse dado ao menos um bom dia, um como vai, um aceno de mão, de cabeça, o olhar mais rente naqueles dias derradeiros... quem sabe resultaria num bom abraço naquela despedida. Quem sabe.

Messias, estava se aposentando depois de longos anos nos Correios e seu comportamento um tanto inadequado com os colegas de trabalho, transformou o que poderia ser uma vitória pela aposentadoria e um recomeço de vida, em um pesadelo naquele dia. Saiu de fininho com algumas caixas na mão, sem um bolo de despedida, sem um abraço amigo e sem uma lágrima furtiva de alguém mais chegado. Decerto, sentiu apenas o gosto da sua, achando que poderia ter sido alguém melhor. Nunca é tarde Messias... nunca é tarde.