Série "Ditados na berlinda" 13: Perguntar ofende?

Descobri uma nova técnica para legitimar atitudes que, ditas assim de supetão, causariam impacto negativo. Dei à técnica o nome de “Imposição Coparticipativa” - sem hífen, para felicidade da nova ortografia e horror de meus olhos ainda desacostumados ao fim do simpático tracinho. Mas pode ser chamada também de "Perguntar não ofende".

É muito simples: digamos que você tem que dar a notícia de uma decisão que tomou e que, você já sabe, irá causar uma surpresa negativa no seu interlocutor. Ao invés de simplesmente chegar e contar, arriscando-se a ouvir impropérios, você convoca seu companheiro de diálogo a ajudá-lo na decisão – que só você sabe que já está tomada há tempos. E usa uma pergunta que abre portas: “Posso te pedir uma opinião?”

Vejamos um exemplo banal. Digamos que você é uma mãe ou um pai separado que está namorando, mas que sabe que os filhos adolescentes são resistentes à idéia. Ao invés de chegar e dizer simplesmente “estou saindo com tal pessoa”, você chega de mansinho e diz:

- Meu filho (a), posso te pedir uma opinião? Seguinte: tenho me sentido muito só ultimamente... meio triste, sabe... então, o que você acha que eu devo fazer? Você acha que eu tenho direito de recomeçar minha vida ao lado de alguém legal, para voltar a ser feliz e de bem com a vida ... ou você acha que eu devo suportar a solidão, para moldar meu caráter e me tornar uma pessoa mais rígida e séria? Seja sincero comigo, está bem?

Os adolescentes costumam ser do contra, mas com tais argumentos fica difícil não se comover. Se eles disserem que, é claro, você deve recomeçar – o que parece o mais provável - fica fácil. Alguns dias depois, você apresenta a outra pessoa e ainda dá uma polida na autoestima do (ou da) jovem, acrescentando: “Filho (a), segui sua sugestão, você é mesmo sábio (a)...”, Mas, se eles realmente forem casca de ferida e disserem que preferem vê-lo só, mesmo assim sabe-se que você pediu apenas uma opinião e que não será obrigatório segui-la. Você só perguntou, e perguntar não ofende. E, na pior das hipóteses, já fez os filhos perceberem que você anda olhando para os lados...

Seguem outros exemplos contundentes de Imposição Coparticipativa, neste caso incluídos na subcategoria Convencimentos Sugestivos:

O garoto que quer a chave do carro diz para o pai:

- Você é um cara experiente, vivido... queria muito te pedir uma opinião, posso? Você sempre diz que a vida passa muito rápido. Então, você acha que eu devo ir de carro à casa da minha namorada, para abreviar o tempo de chegada, aproveitá-lo melhor na companhia dela e inclusive voltar mais cedo para casa, ou que devo ir de ônibus e ficar esperando meia hora no ponto e depois encostado na janelinha suja nas duas horas de percurso – na verdade quatro, ida e volta - durante as quais posso ser assaltado?

A mulher que não está muito a fim de cozinhar diz para o marido:

- Posso te pedir uma opinião, amor? Você, que entende bastante de saúde e zela pelo nosso bem estar, acha que devemos pedir uma pizza, já que molho de tomate contém grandes quantidades de licopeno, que previne e evita o câncer de próstata, ou devo fazer bife à milanesa, mesmo sabendo que a carne vermelha tem muito colesterol e as frituras ajudam a entupir as artérias, possibilitando a ocorrência de acidente vascular??

Talvez a técnica já exista nos meios publicitários, psicológicos ou de relações humanas, provavelmente com outro nome; mas de qualquer forma, por não ser versada em nenhum destes temas, eu a descobri por mim mesma e isso me faz meio dona dela. Dona o suficiente para batizá-la. Pois, como diz um outro ditado, achado não é roubado.