Eu não quero ser "humanizado" pelo SUS
Já, há algum tempo, um tanto cismado, venho ouvindo e lendo sobre a questão de humanizar. Ora uma instituição religiosa, ora um órgão público, ora na TV. Nas instituições de saúde não é novidade, mas, recentemente, as Secretarias resolveram assumir o discurso que o Ministério da Saúde vem tentando emplacar.
Resolvi, então, por causa da tal cisma, consultar o “pai dos burros” e lá encontrei que “humanizar” é “tornar humano; dar condição humana a; fazer adquirir hábitos sociais polidos; amansar ”, entre outras coisas do gênero.
Enquanto lia o dicionário e pensava sobre o significado de tão pomposo verbo não me foi possível escapar às lembranças longígüas, quando, ainda menino, tentava amansar, tornar humano um lindo canarinho. Queria a todo custo que ele se transformasse num guerreiro, gladiador terrível, que trucidasse tantos outros canarinhos, tal qual hoje homens bombas, governantes, jovens adolescentes, fazem mundo afora.
A atemporalidade do pensamento me recordou amigos recentes, amantes de cadelas, cachorros, gatos, periquitos e como eles “humanizam” seus bichinhos: cortam seus rabinhos, tosam, banham em PET SHOPS; vestem camisolinhas, lacinhos vermelhos nas orelhas, pintam suas unhinhas de rosa, na época de Copa, chegam a colori-los de verde amarelo, uma gracinha!
Não deixo de recordar, domingo, feira popular, o mascate, mascateando, mostrando, altaneiro, um “largato tiu” botador de ovos e um pássaro preto assobiador do hino nacional. Quase igual, nos “se vira nos trinta”, um papagaio cantarola “aquarela do brasil”. Isto é humanizar.
O meu canarinho da infância, um dia, sem mais nem menos, mera distração, única oportunidade, a gaiola aberta, bateu asas e voou e com ele o meu projeto de humanizar.
Não quero ser humanizado pelo SUS.
Quero, assim como meu canarinho da infância queria ser canarinho, ser gente.
Não quero ser humanizado pelo SUS.
Do SUS, quero muito pouco, apenas reconhecimento da minha condição de humano e RESPEITO.
João dos Santos Leite
Psicólogo - CRP-MG 04-2674
Ituiutaba – MG, 08 de Setembro de 2006