O cronista e os seus seis leitores
O CRONISTA E SEUS SEIS LEITORES
O cronista se atreveu a relatar os fatos do cotidiano da metrópole, abordou temas polêmicos e nem lhe ocorreu agradar àqueles que lhe forneciam esses temas. Desvendou as entranhas humanas, sem temor nem piedade.
- Tinha, então, seis leitores fiéis.
Consciente de sua força persuasiva, atreveu-se a ir além, passando a condenar tudo o que lhe parecia incorreto. Era, afinal, o paladino das causas perdidas... Imaturo, tropeçou nas letras, confundiu o público e não convenceu ninguém.
Tinha, então, cinco leitores.
Contagiado pelas fantasias arquitetadas pelas “sólidas amizades políticas”, assumiu o honorável cargo de conselheiro do Rei, vestindo a juba mestre incontestável. Provocou revolta e ciúme ao transmitir suas máximas à imprensa. Foi defenestrado!
- Refugiou-se no escudo de seus quatro valiosos leitores.
Apesar de desiludido, num lampejo de audácia, subiu ao frágil altar reservado aos puros e incompreendidos.
- Carregaram seu andor os seus sobreviventes três leitores.
Mas o mundo gira e a roleta da vida o atiro à política. Aleluia ! Seu sonho de infância se realizava. Penetraria como D.Quixote no âmago das manipulações colhidas nos escombros remanescentes das ardilosas maquinações que os eleitos pelo povo, costumam engendrar. Um desafio era cruel, mas não impossível.
- Contaria com o apoio de seus dois esquálidos leitores.
Era pouco! Restava-lhe apenas a ilusória esperança que se mostrou responsável por tanta angústia. Cansado perambulou pelas ruas sombrias da metrópole que tanto amava, buscando ínfimo reconhecimento de que se julgava merecedor. Imaginação e criatividade nunca lhe faltaram. Ergueu-se indômito, confiante, arrogante. Buscou a musa esquecida e voltou a versejar, lapidando as grotescas crônicas que da infância trouxera. Agradeceu a Deus a benção e pegou a pena da qual se divorciara há tanto tempo... Seria a redenção? O milagre estaria acontecendo? E por que não ? Deus lhe permitira o reencontro com o sucesso. Já sonhava em resgatar seus pacientes leitores.
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A alvorada o encontrou feliz. Estava apto a enfrentar o derradeiro desafio. Corajoso, desfrutando aquele momento de altivez, ousou o desafio, deixando escorrer sua temida verve. Esnobou o interlocutor atento que não ousava refutar. Vencera! Estava realmente recompensado pela angustiante luta.
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- Pobre cronista! Só depois do sexto gole, em homenagem aos seus saudosos seis respeitosos discípulos, percebeu que estava diante do espelho, falando com seu “alter ego”, que, por definição, não poderia criticá-lo.
João Bosco Costa Marques.