Lugar de Móveis velhos é no lixo, certo?

Minha avó tinha aqueles móveis de madeira, pesados e que ficavam eternamente no lugar porque ninguém tinha paciência para arrastar. Pés da mesa em forma de garras de leão, cadeiras estufadas com veludo estampado. O armário, cristaleira, guarda-roupas, sofás, poltronas, camas de mola... Tudo belíssimo. Eu passava horas passando a mão naquelas preciosidades, e tentado descobrir se havia algum tesouro escondido por debaixo da pesada mesa redonda que ficava na sala de jantar. Minha imaginação corria solta.

Um dia percebi que a casa estava uma barulheira só. Um puxa pra cá, leva pra lá.Perguntei toda enxerida:

_Mainha, o que é que está acontecendo? A senhora vai se mudar?

_Não, menina. Tô é me livrando desses troços velhos. Daqui pro final do ano vou está com tudo novinho em folha.

_Como mainha? Que negócio é esse de troço velho?

_Menina, você não percebeu que a moda agora é móvel de fórmica?

_Mas mainha, o que é que a senhora vai fazer com esses aqui? Eu gosto tanto deles!

_Vá lá ao quintal que você vai ver.

Fiquei de queixo caído. Minha avó estava ficando louca, e a doença tinha passado pra minha tia, e também pro meu painho! Ela mandou que abrissem um buraco no quintal, e ali estava colocando cama (a que fazia um barulho engraçado quando a gente sentava ou deitava nela), mesa (minha mesa redondinha), cadeiras, sofás, tudo dentro. Tive vontade de chorar quando mais tarde percebi o que é que estavam fazendo. Atearam fogo em tudo!

Nos dias seguintes outros móveis foram chegando. No final do ano, toda casa estava diferente. Mas algo tinha mudado.

O cheiro. Aquele cheiro de madeira velha... Os sonhos se perderam. As mãos infantes que passaram sob aqueles móveis não mais poderiam no futuro experimentar a sensação do passado. Até hoje sinto o cheiro, não nas narinas, mas lá dentro; em algum lugar, nas minhas lembranças sinto o cheiro, os aromas, a aspereza daqueles móveis que tinham histórias para contar.

Minha avó ficou feliz por uns tempos. Porém um dia percebeu que os móveis soltavam um pozinho, e quanto mais limpava, mas o pó aparecia. Decepção. Os móveis eram feitos de bagaço de cana. O arrependimento veio tarde. O que fazer? Gastar dinheiro outra vez... Vamos comprar outros... Depois outros. Chegou o dia de sua partida, porém nunca conseguiu esquecer seus móveis que pesavam toneladas, mas que duravam uma vida toda.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 16/03/2009
Código do texto: T1489571
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