Qualquer semelhança é mera realidade

Segunda feira à tarde, véspera de um feriado em Aracaju, cinema lotado. Cheguei bem perto da seção iniciar e a fila estava quilométrica. Crianças e adolescentes a correrem, todo mundo queria comprar ingressos o mais rápido possível e ao mesmo tempo. Entrei na fila, aflita porque minha amiga ainda não tinha chegado. Por sorte uns cinco minutos depois a avistei de longe e dei um suspiro de alívio. Cheguei pra ela, com aquele jeito meio sem graça e disse: não quero te chamar de idosa mas... vai lá na fila especial e compra os ingressos que o filme já deve está começando. Pensei que ela fosse ralhar comigo mas, prontamente ela foi ao guichê e comprou os ingressos. Íamos assistir um filme francês, ator principal ninguém mais ninguém menos que Gérard Depardieu. Fazia uma semana que estava louca para ver o filme. Gostar de filme francês é uma das coisas que eu e minha amiga temos em comum.

Entramos e em menos de um minuto o filme começou e logo estávamos ouvindo música, o ator principal fazia o papel de um cantor. Um cantor galanteador que se apaixona por uma jovem mulher. Era uma história de amor e histórias de amor são geralmente complicadas, isso eu nem preciso comentar. O título, muito sugestivo: “Quando estou amando”. Quando o título apareceu em francês, “Quand J'Étais Chanteur”, queria saber se o significado era aquele mesmo, tenho mania de querer sempre saber sempre o sentido do título no original, por isso fico traduzindo ou buscando a tradução. Infelizmente minha amiga conhece a língua francesa tanto quanto eu. Fiquei sem saber se o significado original era aquele mesmo. Bom que desde o início já vi que o filme poderia ser interessante. O filme era do ano de 2006 e o ator principal interpretava um cantor, galanteador, nada jovem, solitário que se apaixona por uma jovem mulher. Os dois vivem uma relação um tanto complicada. Um filme sem aqueles apelos sexuais gritantes (justifico que preciso ser redundante aqui) e que faz quem assiste raciocinar. Não sou nenhuma especialista em cinema, mas posso dizer que o filme foi bom. Além de abordar assuntos que mexem com a vida de qualquer mortal me deu o prazer de ouvir músicas que não ouvia há muito tempo e outras ouvidas pela primeira vez, músicas belas. O filme também estava recheado de música.

Gosto do filme quando ele me faz parar, ficar sem palavras por um bom tempo e só ser capaz de tecer comentários depois que eu saio do “transe”. Não posso dizer que o ele chegou a esse ponto, mas teve seu efeito. Até agora eu e minha amiga não paramos para discutir o filme, depois do cinema acabamos discutindo sobre o enredo das nossas vidas. Os comentários sobre o filme vão ficar pra depois, eu sei, principalmente depois que ela lê esse texto. Afinal falar de relacionamentos, de comportamentos, da vida, fica mais interessante depois de uma seção de cinema. Arriscamos sempre a dar nossa opinião diante do que vemos na tela do cinema assim como quando lemos um livro. Falar das personagens é falar muito da vida real sem o comprometimento com ela. Quem não vive conflitos? Quem não ama? Quem não tem dúvidas ou certezas? Medos? Qualquer pessoa se assusta diante do novo e das mudanças que a vida nos proporciona. Uma personagem é sempre o reflexo daquilo que é ou poderia ser. Por isso gostamos ou odiamos, criticamos, analisamos o comportamento deles como se estivéssemos falando de pessoas de carne e osso. Uma maneira melhor de suportar e poder falar de coisas duras da vida, que nos cercam. Cada conflito vivido por personagens pode está na esquina, no homem que atravessa a rua apressadamente, na garota parada que olha para o nada, em casa, enfim, em qualquer lugar. Mas falar da vida do homem, da garota ou de qualquer pessoa é incômodo, insuportável e muitas vezes cruel, melhor refletir no que vemos nas personagens, é menos chato.

Nos últimos dias tem sido bom para mim, além de ler livros, assistir filmes também. Remexer nos assuntos abordados, revirar, debater com minhas amigas sobre o mundo fictício exposto na arte. Ficção não tem compromisso com a realidade e a expõem de maneira bela nos deixando mais soltos para falar. Falar da personagem é falar da vida sem a necessidade ou obrigação de falar da vida real.

A propósito, minha amiga fez um pequeno comentário, depois do filme. Aquele comentário com tom de reclamação por ter comprado os ingressos na fila dos idosos. Disse a ela que aquilo foi útil naquele momento e eu não a considero idosa. Acabamos rindo. É a vida. Quando minha filha chegou em casa me disse que tinha um filme para eu assistir e que eu iria amar, entregou-me um DVD, “é um filme francês”, ela me disse. Mais personagens para me fazer pensar. Mais ficção, mais sonho, sem comparação com a vida real.

Silvia Pina
Enviado por Silvia Pina em 17/03/2009
Código do texto: T1490892
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