Um Édipo informático...

O relacionamento que tenho com os computadores,estas máquinas indispensáveis dos dias de hoje, é tempestuoso e tem algumas implicações que só podem ser entendidas á luz da psicanálise. Em cima desta tese, acho necessário pensar no que ocorre comigo, o pretenso “dono”, e a máquina, que insiste misteriosamente em não reconhecer a hierarquia natural das coisas. Eu é que deveria mandar e a máquina obedecer, o que nem sempre acontece. Teria que ser uma relação amigável e promissora, onde as coisas acontecessem sem muito desgaste e harmoniosamente. O problema é que nem sempre conseguimos nos entender, pois a máquina me parece ser muito sensível e dada á crises existenciais. Um dia destes, quando cheguei ao trabalho e o liguei, o teimoso aparelho negou-se a funcionar, emitindo um “bip” contínuo e desesperado, sugerindo no mínimo uma doença grave e fora do meu alcance terapêutico, não obstante o uso de todas as medidas de emergência que tentei para revive-lo. Não surtiram efeito o liga-desliga, o manuseio desesperado de teclas, o apertar ansioso de botões, o dedilhar furioso de teclas e tampouco o recurso extremo do “tapa técnico”. Já estava pensando em respiração boca-a-boca e massagem cardíaca, quando achei melhor chamar o técnico que alguns amigos me recomendaram como sendo um "ás". Como convém á profissionais da sua estirpe, ciosos da sua importância e superioridade, o luminar da eletrônica surgiu dias após, trazendo consigo um assistente incumbido de tarefas menos dignas, tais como carregar a mala de ferramentas do profissional ou simplesmente “puxar o saco” do dito cujo. Sem levar em conta a minha ansiedade e as informações que tentei dar, o entendido passou a circular com um olhar “clínico” em volta do “paciente”, até declarar que o computador não funcionava, o que obviamente eu já sabia. Decidiu-se que era necessário abrir o aparelho, o qual, com as entranhas á mostra e moribundo, ficou á mercê daqueles desnaturados. Depois de minuciosos exames, discussões com o auxiliar e ignorando totalmente as minhas perguntas, as quais certamente revelavam a minha completa ignorância do assunto, veio o diagnóstico do entendido: - É a umidade. A revelação veio acompanhada de olhares furibundos de reprovação do profissional e seu assistente na minha direção , o que me levou a concluir que se havia algum culpado daquela tragédia, só podia ser eu. Feito o competente conserto, passou-se ao solene momento de fazer o aparelho funcionar. Suspense... e finalmente, nada!!!! Na sua melhor performance de “prima donna”, o computador se recusou terminantemente a trabalhar. O problema parecia mais sério do que eu pensava. Será que a máquina teria chegado ao fim dos seus dias? Sem perder a pose, o portento da informática e da eletrônica procedeu á novo exame, e depois uma longa conversa em um canto da sala com o seu assistente, chegou á uma conclusão categórica: - “O problema é na placa do monitor! Aconteceu então a amputação do monitor, que foi levado para a oficina, onde se encontra até hoje em recuperação, aguardando alta. Consegui emprestado um outro, com o qual a máquina se entendeu imediatamente e sem problemas. Com todo o respeito aos entendidos, acho que na realidade aconteceu um problema de relacionamento entre eu, o computador e o seu monitor no melhor estilo edipiano, recheado de tragédias, amores não correspondidos, traições e promessas não cumpridas, fantasias de vida e de morte, em uma "salada" de afetos polimorficamente perversos, desaguando finalmente em uma relação sado-masoquista. Quem sabe tenhamos que discutir a relação só entre eu e ele, no aqui e no agora e sem interferências estranhas. É verdade que as vezes desejei atirá-lo pela janela, mas me comprometo desde já a tratar a máquina melhor, desde que ele pare com estas frescuras de não me obedecer, engolir os meus textos e funcionar quando quiser e não quando mais preciso dele. Prometo sempre desligar tudo corretamente, não toco mais em teclas que não sei para que servem e vou arrumar um jeito para protegê-lo de vírus e outras interferências indesejáveis, inclusive da temível umidade. Espero que o meu esforço seja reconhecido, pois senão vou abandoná-lo e voltarei a usar a máquina de escrever. De qualquer modo, sei que o meu diagnóstico “analítico-informático” vai ser olimpicamente ignorado pelos entendidos, mas quando o computador estiver inteiro, com o monitor original de volta ao seu lugar, acho bom que se comporte, pois a Olivetti que herdei do meu pai está guardada em algum lugar da casa, pronta para entrar em ação. Será que ainda tem alguém por aí que saiba o que é datilografia?