I see dead people
 
Meu pai é português e sempre foi comerciante.Na década de oitenta, ele tinha uma agência de automóveis seminovos e a minha mãe, juntamente com alguns funcionários, se encarregava de tocar a mercearia, que ficava embaixo da nossa casa.
 
Assim, quando eu acordava de manhã, estava sozinha na casa.Meu irmão, quinze anos mais velho que eu, já trabalhava.

Depois de tomar o café que ela deixava carinhosamente sobre a mesa, eu assistia  um pouco de tevê, brincava e se quisesse vê-la, bastava-me descer até o comércio.
 
Perto da hora do almoço, ela subia e me fazia um prato de comida.Em seguida, eu me aprontava para ir à escola. Às vezes eu comia o que ela havia preparado; outras, dispensava a comida na lixeira para comer, sem permissão, o cachorro-quente do Valdir (mas isso é outra crônica, e eu já contei sobre isso).
 
Porém, um dia, ainda na cama, eu abri os olhos e olhei para o lado.O fantasma estava ali. Opaco e não saía do meu campo de visão: ora se aproximava de mim, ora se distanciava.Mas sempre ali.
 
Entrei em desespero.Não conseguia sair da cama de jeito nenhum.Tentei clamar por socorro, mas meu grito entalou na garganta e o máximo que eu conseguia era chorar, chorar, chorar. Horas no leito e o resultado: acabei fazendo xixi ali mesmo, aos oito anos de idade.
 
Quando minha mãe subiu na hora do almoço, me encontrou petrificada de medo.Mostrei-lhe o fantasma, que ainda estava ali, disforme, a me assombrar. Ela não o via.
 
Saí do quarto agarrada ao seu colo e à noite, dormi junto com ela.
 
No outro dia, o mesmo fantasma.Que tormento! Minha vida se comparava a uma video locadora, estrelada por dois  títulos macabros: o primeiro filme seria o “Quarto do Pânico”.O segundo, "Sexto Sentido", onde o menino repetiu uma frase que o imortalizou: "I see dead people", ou em bom português, "Eu vejo pessoas mortas".Que sofrimento!
 
Minha mãe já confabulava com meu pai qual providência tomariam para solucionar meu caso: se procurariam um psicólogo ou um neurologista.Não duvido que a benzedeira (A D.Elza, uma conhecida da minha mãe) estava dentre as opções dos meus pais.
 
Foi nesse ínterim que a professora convocou a minha mãe para uma conversa particular. Eu não via o fantasma em sala de aula, não, mas a D.Olga sugeriu que eu fosse levada a um médico urgentemente.
 
Dias depois, eu estava diante de um especialista, e de uma parafernália de equipamentos para me examinar .Algumas perguntas, imagens e o diagnóstico  foi parar numa receita médica.

Os fantasmas desapareceram milagrosamente quando comecei a usar óculos de grau: dois e meio em cada vista.Agradeço ao doutor imensamente.Tenho certeza de que ele era meio exorcista.

 
(Maria Fernandes Shu - 22 de março de 2009)


* Imagem: filme " O sexto sentido" ( 1999) -  história de um psicólogo que tenta ajudar um menino que tem o trauma de ver os mortos.
Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 22/03/2009
Reeditado em 22/03/2009
Código do texto: T1499441
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