DE MANIAS E LOUCURAS... – PARTE II

Comecei, aqui, na semana passada, a contar uma viagem que fiz na companhia de um colega de profissão. Confesso que foi, sem sombra de dúvidas, uma viagem inesquecível – por tudo que envolveu, no cotidiano, assim como, pela figura ímpar do nobre professor.

Depois que desfizemos e arrumamos nossas coisas, fui mostrar-lhe onde eram os banheiros masculinos e onde se encontrava o refeitório. Expliquei-lhe algumas normas, mostrei-lhe o gelágua (o distinto já mencionou que sempre levava para o quarto um copo cheio de água – era para o caso de uma necessidade fora de hora, pela madrugada: era preciso só encontrar o remédio certo, pois a água já estava lá), a sala onde se assistia TV, a área do jardim e o local onde se encontravam as máquinas de lavar (algumas pessoas que permaneciam por longos períodos se utilizavam desse serviço, normalmente).

À noite, depois do jantar, sentamos em frente ao televisor e assistimos ao jornal. Em seguida, fomos para os banquinhos que circundavam o pequeno jardim da casa. Alguns professores também se encontravam por lá. A maioria, meus conhecidos. Apresentei, a todos, meu parceiro de quarto. Os professores, ali presentes, eram de cidades distintas da nossa. Estavam lá, em sua maioria, para resolverem problemas diversos (consultas médicas, aposentadorias, transferências, etc.) e, a minoria, para participarem do mesmo curso que nós iríamos participar.

De cara, o nobre colega já entabulou conversa com uma senhora que, por um acaso do destino, soltou, na apresentação, que estava ali para se tratar de “alguns” problemas de saúde. Incrível como a empatia foi instantânea!

Olha, para falar a verdade, eu ainda não tinha ouvido falar que existissem tantas doenças nesse mundo velho de Deus! E o melhor do colóquio, entre os dois, eram as demonstrações visuais de onde se localizavam as mazelas, suas origens, quais seus sintomas, as consequências e os prováveis caminhos até a sua cura ou, no pior dos casos, até o seu desfecho trágico, passando, é claro, pelas substâncias (pelo nome de marca e pelo nome do genérico também!) apropriadas para combatê-las. Ouvi, inclusive, em alguns trechos da conversa, os componentes ativos de cada substância ali descritos.

Confesso que já estava até me acostumando com alguns adjetivos pronunciados ali. Até arrisquei dar uns palpites, chegando a fazer demonstrações práticas (mostrando as partes onde se localizavam determinadas dores), mas me toquei. Temeroso, pedi licença aos demais professores, ali presentes, e fui me deitar. Não sem antes dizer ao catedrático perito em males que não precisava me acordar ao entrar, nem se preocupar com o barulho. Podia ficar a vontade, pois eu não me incomodava.

Despedi-me, desejando boa noite a todos e entrei para me recolher.

Sono bom, já tarde da noite... Morfeu me embalava sem preguiça e eu flutuava por entre nuvens límpidas como o dia. De longe, em meio à fantasia dos meus quereres, vi aparecer a princesa dos meus sonhos. Era linda, de cor indecifrável, coberta com um manto azul celeste, totalmente transparente. Ela, de repente, sorrindo para mim, se aproximava cada vez mais. Sua boca ia, aos poucos se entreabrindo, pronunciando o meu nome de uma forma sublime, melódica, aveludada e eu fixava o meu olhar em seu manto ou, precisamente, através dele. Uma visão magnífica!

De repente, eu acordo. Abro os olhos e vejo, a uns dois palmos de mim, curvado para me chamar, o digníssimo professor. Seus olhos estavam arregalados, esbugalhados, eu diria. Seu rosto demonstrava um misto de surpresa e pavor. Eu, por outro lado, comecei a suar. Fiquei imaginando sobre o pensamento que tivera quando da apresentação dos remédios em cima da cama e, sem querer, fui colocando meus braços em posição de defesa.

A cena era, no mínimo, dantesca. Eu, recém saído de um sonho deslumbrante, deitado na vertical, tendo, acima de mim – a menos de dois palmos de distância – um rosto moreno, barbado, de olhos, no mínimo, assustados, e uma voz que, nem de longe lembrava a da figura que voava ao meu encontro, naquele manto transparente.

- O que aconteceu, homem de Deus! – Perguntei sem muita convicção, pois a voz não tinha saído suficientemente forte para demonstrar coragem. Pelo contrário, o tremor e o tom baixo, quase sumindo, mostravam uma vontade de sair correndo dali, sem nem discutir pormenores.

- Raimundo, você estava roncando! Desculpe-me lhe acordar deste jeito, mas eu fiquei apreensivo e vim ver se você estava bem. Está tudo bem ou você está sentindo alguma coisa? Quer botar um descongestionante nasal? É tiro e queda! – Falou o solidário camarada ainda de olhos extremamente abertos e, ele, como um todo, ainda curvado sobre a minha cabeça.

- Companheiro, está tudo bem. Roncar, apesar de ser prejudicial à saúde, é comum aos seres humanos. Eu, por acaso, ronco. Nem sempre, mas ronco. Nada demais. Mas, não se preocupe, vou ficar de lado, evitar dormir de “papo para cima” e, com isso, poupá-lo de preocupações desnecessárias, disse-lhe, acalmando-o, dando-lhe boa noite e, ainda em posição de defesa, esperando-o deitar-se para eu poder relaxar.

Confesso que foram minutos angustiantes. Cheguei a suar. Mas, tudo não tinha passado apenas de uma preocupação à toa do angustiado mestre, que via doença em tudo.

Virei-me para o lado – colocando as costas de encontro à parede onde a cama estava e, com um olho fechado e outro ainda meio aberto, vi quando o caríssimo colega revirou em sua drogaria, retirou de lá uma “piula”, olhou para mim e disse:

- Tenho insônia há mais de vinte anos. Esse aqui é para dormir...



Obs. Imagem da internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 22/03/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1499579
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.