Obrigada por fumar, mamãe!

Uma criança de no máximo três anos caminhava perto de mim enquanto eu esperava o ônibus em frente à antiga sede da Unisinos, em São Leopoldo. Era uma menina de cabelos loiros, pele clara, olhos envolventes, apesar de pequenos. Logo atrás da menina estava sua mãe. À frente da sua mãe, a amiga da sua mãe; elas discutiam sobre algum problema de relacionamento humano. Possivelmente amoroso. Pelo pouco que entendi, a amiga da mãe da menina de cabelos loiros e pele clara que caminhava perto de mim enquanto eu esperava o ônibus, havia saído de um apartamento que habitava com outra pessoa por ter rompido um namoro de anos.

Mas a discussão girava em torno do fato da amiga da mãe da menina de cabelos loiros e pele clara que caminhava perto de mim enquanto eu esperava o ônibus, desejar habitar o mesmo apartamento que, naquele instante, seu ex-namorado ocupava. Ela parecia agitada, transtornada, queria porque queria voltar para o apartamento, mas com a condição de que seu ex-namorado fosse embora da sua vida, da sua cama e do seu lavabo.

Fingindo que entendia toda aquela situação embaraçosa, notei que a mãe da menina de cabelos loiros tragava, na mais tranqüila paz, um cigarro. Não se dando conta que estava oferecendo fumo passivo a sua filha, ela tragava, tragava, tragava, tragava, tragava, tragava… até o fumo terminar. De repente, sua filha, a menina de cabelos loiros e pele clara que caminhava perto de mim enquanto eu esperava o ônibus, sussurra algo como: “Bushuá”. A fumante ativa agacha-se na tentativa de entender o que a pequena fumante passiva falava. Então, o diálogo:

- O que foi minha filhinha?

- Bushuá!! - Desta vez a pequena fumante passiva falava mais alto. Mas a mãe continuava a não entender. A mãe fumante apenas olhava, de maneira mais próxima, a pequena fumante, e numa última gota de compreensão, ela escuta:

- Bushuááááá - repete, enfaticamente a filha, a pequena fumante passiva, que parecia soltar sílabas de desespero.

A mãe desiste de compreender qualquer palavra que a pequena tentava discorrer. Volta-se para a amiga que queria retornar ao apartamento que tinha como patrimônio, mas que o seu ex-namorado persistia em ocupar. A mãe fumante apenas solta uma breve frase, denotando sinais de irritação:

- Mande ele sair de lá - (pausa para uma tragada) - Aquele lugar é teu, ele tem que se ligar!

Agora a menina de cabelos loiros e pele clara se aproximava de mim, com um sorriso estampado na sua pequena e adorável face. Via-se que era uma criança linda, formidavelmente linda. No entanto, o seu momento de beleza eterna pareceu acabar quando a amiga da mãe fumante ativa pegou a pequena fumante passiva no colo, e disse:

- Mamãe foi comprar uma coisa e já volta, tá?

Mamãe realmente fora comprar algo. Mamãe havia adquirido um novo e revigorante maço de cigarros. Estava pronta para mais fumaça! De repente, a menina de cabelos loiros e pele clara que caminhava perto de mim enquanto eu esperava o ônibus, apenas viu meu transporte coletivo chegar. Embarquei e, ainda concentrado na cena, reparei que a pequena fumante passiva, com uma derradeira fitada em minha direção, exclamou em pensamento o significado da palavra “Bushuá”. Eram, na verdade, algumas frases:

- Obrigada por fumar, mamãe. Obrigada por passar fumo aos meus pulmões, mamãe! Estou adorando sentir o gosto de toda essa fumaça, mamãe!

E assim o planeta continuava a sua rotação. E o tempo persistia em correr na direção do mais absoluto nada. Enquanto eu embarcava no ônibus, não penas uma criança fumava de forma passiva em nossa gloriosa terra urbanizada por épicas civilizações elementares. Mas eu, Luan Iglesias, seguia minha vida, seguia para o meu trabalho, cegando-me para um cotidiano invariavelmente comum. Estava apenas sendo normal, e humanamente inútil.