Cretinos fumantes e não-fumantes

Creio que rotular uma pessoa com o epíteto de “fumante” ou “não fumante” é reduzir em demasia o que é ser gente. Ou talvez não, afinal de contas os adjetivos existem e estão sempre sendo utilizados para “marcar” alguém que conhecemos (ou não). Por exemplo, fulano é uma boa pessoa, sicrano é traiçoeiro, beltrano é ladrão, e assim por diante. Estamos sempre reduzindo pessoas a qualificações, e assim seguimos criando adjetivos para todo mundo, e reduzindo-os a apenas algumas qualidades e defeitos.

Na minha singela e irrelevante opinião deveríamos esquecer os adjetivos e os rótulos quando entrássemos em contato com quem quer que seja. O ser humano é um sem número de possibilidades, para o bem e para o mal, e essa compreensão ajudaria a entender melhor o comportamento das pessoas em geral, e evitaria, talvez, algumas decepções que porventura alguém nos provocasse, ou que provocássemos nos outros.

Entretanto há um adjetivo que acredito sirva muito bem para assinalar a maioria das pessoas, e que me parece é o único que não carece de receio para ser empregado. Trata-se do adjetivo “cretino”. A cretinice é a melhor de todas as respostas para uma boa convivência social, pois o cretino, por sua singular estupidez, estará sempre livre da angústia. E se não tem angústia, o cretino desempenha com um sorriso no rosto todas as designações sociais, sem um mínimo de reflexão. Acho que a cretinice deveria ser buscada mais e mais por nossos governantes, pois um povo cretino é um povo feliz. E não demandaria grandes investimentos a busca pela cretinice, pois ela já está aí, sendo exercitada por milhares, quiçá milhões, de idiotas que perambulam para cima e para baixo nas cidades e no campo, pagam (ou não pagam) suas contas, acotovelam-se em ônibus lotados nos inícios de manhãs e nos finais de tarde, indo e vindo do trabalho, exercendo atividades desnecessárias e autômatas. Ou então desejando um carro novo, vangloriando-se de suas posses, discutindo o destino da mocinha e do mocinho da novela das oito, enchendo praias e igrejas aos domingos, com urros de embriaguez ou de adoração a divindades. Os cretinos copulam, é claro. E suas cópulas devem ser das mais instigantes, pois como sua escala de evolução é das mais rasteiras, aproximando-os dos bichos, o instinto sexual do cretino é vigoroso como de um animal no cio.

Mas minha reflexão acima nasceu de uma observação que fiz em um shopping da cidade (local dos mais adorados pelos cretinos, diga-se de passagem, devido a sua grande verve consumista), enquanto esperava o inicio de um filme, em um cinema situado naquele estabelecimento comercial. Depois de comprar o ingresso, e como havia ainda cerca de vinte e cinco minutos para o filme começar, decidi fumar um cigarro, e me dirigi a área de fumantes do shopping, um jardinzinho situado na sua entrada. Quando lá estava, sentando em um dos bancos, fumando um cigarro e pensando no quão cretino sou em manter um hábito que prejudica minha saúde e minhas finanças, eis que sou surpreendido por duas mulheres, uma mais velha e outra mais nova, provavelmente mãe e filha, acompanhadas de uma criança de cerca de quatro anos. Os bancos da área de fumantes estavam quase todos ocupados, é claro, de pessoas fumando, e eis que as duas senhoras sentam-se no meio daquela fumaceira e soltam a criancinha, que começou a correr, impertinente e toda feliz, entre os círculos de fumaça. Não pude conter minha surpresa e indignação, pois havia tantos lugares para aquelas mulheres sentarem-se com a menininha, que passei a olhá-las fixamente, para ver se as constrangia e elas se retiravam, afinal de contas nem fumando estavam, pararam apenas para conversar. Como meus olhares não causaram nenhum tipo de respostas nas duas, passei a tragar o cigarro na direção delas, torcendo para que elas, incomodadas com a fumaça na cara, fossem embora e levassem a menininha para um lugar adequado para ela. Mas eis que meu cigarro acabou e quando olhei para o relógio, já estava em cima da hora do filme começar. Atirei então a baga de cigarro em um cinzeiro perto das duas e fui embora, perguntando-me: Qual de nós era mais cretino: Eu, o fumante que insisto em contaminar a mim próprio e ao ambiente, ou aquelas duas mulheres, que com tanto lugares para levaram sua criancinha, estabelecem-se no banco entre vários fumantes? Conclui que não há grande diferença entre nós, e que talvez a cretinice seja o legado maior deixado por nossos antepassados para nós. Daí nasceu esta crônica.

Marcio de Souza

30/03/09

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 30/03/2009
Reeditado em 13/10/2010
Código do texto: T1513939
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