SEU JOTINHA

Seu nome, João Batista. Alcunha, Jotinha. Morava sozinho numa pequena cidade do sul de Minas onde nasci. Sua mãe e alguns irmãos que nunca o visitaram, segundo ele, moravam no Rio de Janeiro. Para nós, crianças, morar ou, pelo menos, conhecer o Rio era privilégio de poucos. Seu hobby, conversar com quem passasse na rua e lhe dirigisse um cumprimento. Mas não era daqueles que incomodavam querendo forçar a conversa. Se alguém demonstrasse pressa, ele se contentava com a saudação.

Dizia a todos que há anos vivia sem a mãe e que se acostumara a morar naquela pequena cidade, perto de um tio querido e que jamais pretendia retornar. Nunca soubemos nem saberemos por que deixou os parentes mais próximos. Seu tio, conforme gostava de frisar, era um homem de posses, deixara-o morar de graça num de seus imóveis. Casa muito simples, mas suficiente para aquele corpo sozinho.

Seu Jotinha era carpinteiro, poder-se-ia dizer, dos bons, mas não se entregava com muito gosto ao trabalho. Fazia para o gasto. Quando a situação apertava, pegava algumas encomendas. Ora um brinquedo de criança, ora uma mesa ou cadeiras e, assim, levava a vida sem grandes regalos e com alguns tropeços.

Apesar da aparência de poucos amigos, as crianças o conheciam bem e se aproximavam dele sem medo. Gostávamos de ouvir-lhe a prosa lenta e pausada. Sendo, à época, um sessentão, respeitávamos e jamais fazíamos qualquer tipo de troça ou brincadeira desrespeitosa com ele e ele conosco. Alguns vizinhos de ruas adjacentes diziam-no preguiçoso, mas não o víamos assim. Gostávamos muito dele. Para nós, pouco importava seu trabalho, mas suas estórias fantásticas, sem pé e nem cabeça, que nos aguçavam a curiosidade. Também a sua maneira inusitada de dizer: “é ali em Japão”.

No quintal da casa onde morava, havia um pé de goiaba. Ele detestava que crianças invadissem sem sua permissão e apanhassem frutas de vez. Ele as guardava até o ponto de colher e aí fazíamos a festa, como pássaros em algazarra. Não fazia questão das frutas, dizia que nem as comia, mas não gostava de crianças indisciplinadas.

A única casa que frequentava era a nossa. De vez em quando, chegava com um carrinho de bois, um guarda-roupa de bonecas, uma mesa com cadeirinhas para nos presentear. Ficava conosco para almoçar ou jantar, dependendo do horário em que chegava.

Meus pais passaram a agradá-lo, levando lanches, e, à medida que aumentou a intimidade, passamos a levar comida para ele, sem que se sentisse ofendido, por não se tratar de pessoa doente.

Essa rotina levou anos, até que meu pai foi removido para uma cidade do alto Paranaíba, ou seja, Patos de Minas. Ficamos tristes por ele, porque sabíamos que, àquela época, éramos os únicos a cuidar dele, no que precisasse.

Depois de um ano na nova cidade, qual não foi a nossa surpresa ao vê-lo chegando, com uma pequena mala na mão, parcos eram os seus pertences. Foi sem nenhum endereço, apenas sabendo o nome da repartição onde trabalhava meu pai. Para ele, sair do sul de minas e parar naquele lugar, era um ato de coragem, uma aventura!

Permaneceu uns meses em nossa casa, mas, ao fim desse tempo, penso que sentiu falta de sua rotina singular, manifestando vontade de ir embora. Disse que economizara todo aquele tempo para conseguir viajar até nós, para matar a saudade.

Não muito tempo depois, fomos informados de que, devido ao fato de ele manter a marcenaria dentro de sua própria casa, contraíra câncer na garganta e, sem tratamento, a doença progrediu rapidamente.. O nosso consolo foi saber que os vizinhos o socorriam e não morreu à míngua. Uma vizinha da contra-esquina informou-nos que, quando foram guardar seus pertences pra entregar pro tio dele, acharam uma carta que meu pai lhe mandara, contendo um valor em dinheiro que não chegou a gastar.

Agradecemos a Deus por ter ele morrido amparado, longe de sua família, mas entre amigos que o quiseram bem.

Jamais me esquecerei desse personagem de minha infância, que enriqueceu em muito a bagagem que trago indelével dentro de mim.