Passa a maleta

- Passa a maleta.

- Ah não! Hoje não. Já não chega a semana passada que um colega seu me fez correr um quarteirão inteiro só para recuperar o meu aparador de grama. E pergunta se consegui? Não, eu não consegui. Portanto vamos deixar isso para outro dia.

- Eu disse passa a maleta.

- Caro amigo...

- Maleta .

- Caro amigo Maleta. Estamos em plena quarta-feira restando apenas dez minutos para chegar à quinta. Meu dia foi uma porcaria. Primeiro que roubaram meu carro. Por causa disso cheguei atrasado. Logo, meu chefe ficou irritadíssimo. Segundo, minha mulher está de TPM esperando-me em casa. Terceiro...

- Será que estou falando grego?

- Bom, se estivesse falando grego provavelmente não estaria assaltando um coitado como eu e sim um grego. Garanto que um grego teria muito mais do que eu.

- Passa a maleta.

- Três dias. Faz três dias que estou acordado. Insônia por causa de um projeto. Na verdade é uma porcaria de projeto. Será que posso pelo menos pegar esse projeto antes de lhe entregar a maleta?

- Seja breve.

- O Eustácio, o cara que trabalha dois computadores de distância de mim, ganhou promoção a menos de um mês. E eu que estou lá criando teias de aranha não ganho nada. Se fosse apenas o serviço, tudo bem. Mas tem uma jararaca me esperando em casa. A essas horas deve estar lá deitada na cama assistindo à TV de plasma que fez eu comprar em 36 vezes. Mulher é bicho ruim.

- É, realmente.

- Está vendo. Até você concorda comigo. Só faz eu criar contas. Você é casado?

- Sou. Na verdade eu sou juntado. Sabe como funciona esses esquemas né!

- Sei sim. Deixa-me ver se encontro a foto dos meus filhos.

- Quanto papel.

- Nem me fala. Metade disso é conta. Conta da TV, conta do carro, conta do supermercado, conta do novo aparador de gramas, tudo atrasado. Acho que está na carteira. Deixe-me ver, aqui. Segura a maleta para mim por obséquio. Veja.

- São muito bonitos.

- Pois é. Mas não são meus. A minha mulher me traiu com o cara do nono andar e me apareceu nove meses depois com os gêmeos. O da direita que é o menino.

- Nossa, se você não diz eu não iria saber. Sou ladrão mas não sou burro.

- Desculpe. E você?

- Eu o quê?

- Tem filhos?

- Depende da mulher. Se eu não me perdi nas contas eu tenho uns sete.

- Orra! Sete. E como faz para sustentar todos eles?

- Ah, sabe como é. A gente dá um jeito.

- Jeito meio estranho né. Mas não podemos ser preconceituosos. Aqui, achei o projeto. Ei onde você vai?

- Vou procurar um outro cara para assaltar. Você já ta muito fudido.

- Ah não espera aí. Leve alguma coisa. Não fez perder meu tempo à toa. Meu tênis quem sabe? Eu não sou tão miserável assim. Olha, aqui tem uma ficha de telefone.

- Não obrigado. Não se usam mais fichas nos telefones. Olha tome isso.

- Que é isso?

- Dois reais com vinte centavos.

- E para quê?

- Para pegar o ônibus pra casa.

- Ei... volte aqui... minha meia, eu tenho um anel. Ei volte...

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 03/04/2009
Reeditado em 03/04/2009
Código do texto: T1519991
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