DE MANIAS E LOUCURAS – PARTE IV

Continuo, hoje, a minha saga na capital, juntamente com um colega professor. Entretanto, quero deixar bem claro que o intuito não é enumerar todos os “vícios hipocondríacos”, nem mostrá-los, pejorativamente, aos nobres leitores. Não. É apenas uma maneira de proporcionar-lhes uma leitura, com um toque de humor, de alguns cotidianos diferentes daqueles que costumamos ter ou ouvir falar...

Quando chegamos ao Centro de Treinamento, ratificamos nossas inscrições e fomos direto para as salas de conteúdos. Sentamos lado a lado. Normal. Passados alguns minutos – questão de uma meia hora –o meu companheiro de assento passou a olhar, com uma insistência muito grande, para o relógio. Não satisfeito com o mostrador do próprio (eu fiquei imaginando isso), passou a perguntar as horas a quem estava do seu lado direito e do esquerdo que, no caso, era eu.

Estranhei novamente. Mas...

O tempo foi passando. Com exatamente duas horas de aula, o preocupado parceiro me perguntou:

- Aqui tem lanchonete?

- Claro que sim, respondi. Por quê?

O porquê, antes de ser uma pergunta automática de tudo aquilo que respondemos, passou a ser, nesse caso específico, a curiosidade, quase corrosiva, de querer obter a resposta para o perguntar das horas e, por tabela, a pergunta da lanchonete. Sabia que a solução vinha em seguida. E veio, bem baixinho, no meu ouvido, para ninguém ouvir, claro.

- É que eu não posso passar mais que duas horas sem comer alguma coisa, disse.

Ah, foi aí que me lembrei do pacote vazio em cima do beliche! Mas, só para ver a reação do sistemático colecionador de esquisitices (para mim que não estava – agora, eu estou, graças a ele – acostumado a essas coisas), perguntei-lhe:

- E se passar, o que acontece?

- Rapaz (ele falou me olhando bem dentro dos olhos e, como estava lado a lado comigo, eu quando vi aqueles olhos negros, arregalados, me fitando, já fui, instintivamente, me colocando em posição de defesa. Graças que percebi antes e relaxei... Pela metade), não é toda vida não, mas tem vezes que eu começo a suar, a pressão cai, eu fico gelado e a sensação é que tem alguma coisa por dentro me consumindo. Aí, se eu não comer alguma coisa, passo mal, e é capaz d’eu ter um desmaio.

Acalmei-o. Sabia – por experiência – que, por coincidência, as pausas são, exatamente, de duas em duas horas. Servem para relaxamentos – da mente e do corpo.

Lembrei-me das fobias existentes por aí. Com certeza, tirando as mazelas naturais que cada um de nós trás, o restante são esses tipos de doenças.

Só para corroborar com minha tese, o precavido degustador "bi-hora" me perguntou se podia mudar de lugar, trocando comigo a carteira. Juro que não me espantei dessa vez. Mas, como sempre vinha fazendo, o porquê foi instantâneo. Ele não se fez de misterioso, contou logo o motivo:

- É que eu não me sinto bem quando sento do lado direito da pessoa que está comigo.

- Não se preocupe, disse. Já vamos sair para o intervalo e, quando voltarmos, você se senta do meu lado esquerdo.

O restante do dia transcorreu dentro da normalidade permitida, inclusive na hora do almoço, apesar de que, quase fiquei sem comer, devido a me preocupar como era feito o prato do professor – aquele que havia sentado do lado direito e depois trocado para o lado esquerdo.

Sem exagero nenhum: feijão só se fosse sem tempero; o arroz só branco, sem qualquer condimento; farofa e macarrão nem pensar; a carne tinha que ser branca e grelhada, e até a salada de verdura tinha que ser crua (vi quando ele perguntou se a alface tinha sido lavada com água corrente e posta em vinagre por mais de cinco minutos, pode?!).

- Tenho que me cuidar, falou antes que eu perguntasse. Tenho o colesterol alto, por isso eu tomo uma cápsula, no meio da refeição, que é para combater o LDL (fiquei sabendo que se tratava de colesterol ruim), assim como, tomo um outro, quando acabo de comer, que é para o triglicérides, que no meu caso é quase duas vezes mais que o permitido.

- Difícil, não? – Perguntou-me.

Antes que eu respondesse, ele completou:

- Adoro uma farofinha! Mas não posso. Pedra na vesícula. Se botar na boca, é crise na certa. Até já me previno e, toda vez que acabo de almoçar, já tomo um comprimidinho para evitar qualquer problema.

Na volta, quando vínhamos para onde estávamos hospedados, a cada farmácia ou drogaria que éramos obrigados a passar ao largo, o suspiro acompanhava o olhar do apaixonado borla ao meu lado. Aí, lembrei-me de um detalhe: ele tinha fobia de sentar do lado direito da pessoa que era sua companhia. Cutuquei:

- Caro, você está do meu lado direito, não quer vir para esse lado não?

- Realmente, estou incomodado, louco para chegar logo. O problema de não ter mudado de lugar é que não sei dirigir...


 
Obs. Imagem da internet


Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 05/04/2009
Reeditado em 05/12/2011
Código do texto: T1523767
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