Paixão

Eu estou novamente perdidamente apaixonado. Que fazer? Acho eu – coisa que até o momento não me acontecia - nenhum ser humano está imune ao mais profundo dos sentimentos. Muitas coisas que nos acontecem são produtos do mau ou do bom funcionamento das nossas reações intrínsecas, longe do nosso domínio e nem sempre contidas.

Que me desculpem Isa e os meus filhos, mas estou perdidamente apaixonado pela Alice. É um doce... Olhe, eu nem saberia definir o que passo nestes últimos três meses. Quando, por ventura, fico sem a ver uns dois ou três dias inicia-se um período de rara melancolia e sonhos dantescos.

Mas não sinto nenhum desejo carnal ou coisa parecida. Não tem nada a ver com àqueles desejos impostos pela puberdade quando a madrasta natureza nos obriga a agir de maneira irresponsável e maléfica aos velhos ensinamentos, somente para manter a perpetuação das espécies. Doa a quem doer.

Naquela idade a gente somente pensa em sexo. Será por quê? Depois disto, seja, na meia-idade sexo também não é coisa muito boa? Lógico que sim!

A danada da evolução somente pensa nela própria. Agiota! Mão de vaca! Possessiva! Egoísta! Já reparou como ela capricha no preparo das fêmeas e dos machos na sua adolescência? Não importa nada mais para a natureza senão o descendente. Que diabo é esse?

Depois que o casal procriou, pode acabar. Já transferiu seus genes? A espécie está garantida? Para os quintos dos infernos com o resto! Bananeiras que já deram cachos. Não servem para mais nada, na óptica da natureza.

Li numa certa ocasião haver certo equívoco na história da criação humana que a maioria conhece e nela acredita. Deus fez o homem de um monte de terra e depois soprou na sua boca, dando-lhe vida. Mais tarde o fez dormir, retirou uma costela e desta foi criada a mulher. Simbolismo. Tô sacando! Machismo puro até aí! Coisa feia!

Sabe-se hoje que durante um curtíssimo espaço de tempo todos os embriões humanos são XX. Para quem não tem a obrigação de saber: XX é a configuração genética do sexo feminino e XY a do masculino. Somente depois de certo tempo o cromossoma Y é “criado”. Como? Parece haver uma modificação ou até alguma atrofia num X daqueles. Não sei e duvido se algum cientista já sabe muito mais. Todos nós somos derivados da configuração da mulher. O embrião masculino deriva dela. Escandalizado? Caiu a ficha?

Então durante um espaço de tempo dentro do útero todos somos mulheres (alguém vai entrar em orgasmo total e outros vão se ferrar). Acreditava-se que o cromossoma Y obrigava o embrião “fabricar” testosterona – hormônio masculino - e assim ele, o feto, se modificaria. Parece não ser exatamente assim. Isto só vai acontecer na puberdade. Bem feito para aqueles barbados machistas e donos do pedaço. Você já foi mulher numa época da vida, malandro! Não se esqueça! Toda vez em que você se achar superior, pare e pense no quando tudo começou.

Eu sou um confesso amante da ciência. Quando li isto que acabo de relatar fui aos céus. Como eu gostaria de estar num laboratório daqueles para poder correr atrás à procura da resposta nem sempre fácil, principalmente para a cabeça de alguns pensadores que preferem ver os seus seguidores cada vez mais bestalhões e analfabetos. Como na visão de alguns políticos: quanto mais imbecil for o troteador melhor para ser manobrado. Causam-me asco! Eu acho que eu não deveria nem poderia ter nascido agora.

Sou um evolucionista convicto. Ainda não explica muitas coisas, não tem resposta pra tudo. Concordo! Mas não mente, não engana, não usa os menos agraciados pela cultura e os exploram humana e pecuniariamente. Para mim as piores bestas são alguns seres humanos simplesmente porque foram presenteados com a inteligência e não a estão aproveitando em benefício do todo. O ser humano vai acabar com a sua vida terrena e já não está muito longe.

Eu poderia afirmar: que me importa? Não estarei mais aqui dentro de algumas dúzias ou um pouco mais de, talvez, sofridos anos. Madrasta natureza não poupa os velhos. Velho deve morrer e dar o seu lugar para um mais novo e incorporar à terra seus elementos básicos degradados até aos átomos. Reciclagem não é de agora, véio! Desde que o mundo é mundo, conforme profetizava minha doce avó Zipina.

Para melhorar? Piamente acredito que sim. Será possível que este cérebro novo e maravilhoso não vai servir pra nada? O meu, anatomicamente, é semelhante ao de uma besta-quadrada de certo presidente, por exemplo, que acha ser o dinheiro a maior e melhor coisa do mundo. Gasta bilhões numa guerra para besuntar seu ego excêntrico e não cuida de muitos na África morrendo de fome. Por que não detona umas bombas atômicas lá? Seria até mais decente, mais humana, nos trâmites atuais, a morte rápida não-sofrida da morte lenta e dolorosa pela fome... Ah! Já nem sei!

Não é só o dinheiro! Descobri ainda antes de morrer: o ser humano é vidrado pelo poder! O Poder! Só que atualmente uma coisa está atrelada à outra. É só querer ver. Você também tem um cérebro com o meu, não? Ah! Falta experiência! É a única coisa valiosa que se ganha dos dias já vividos. Mas pra quê serve se a pessoa não tem mais tempo para aplicá-la? Isto bota a gente pra baixo, sabe?

E o quê tem a ver tudo isto com a minha paixonite aguda? Nada! Divagações. Estou mesmo loucamente apaixonado pela Alice, minha primeira netinha. Cara! Ela é o máximo! Uma gracinha! Fofura pura! Estou gamado! Até suas birras (escassas) e os puns (abundantes e encorpados) são sonoros e graciosos!

Pô! Eu não queria ter estudado para saber que isto tudo pode não passar de um baita egoísmo meu. Meus genes vão continuar na Terra através dela, imortalizando-me. Não é nada poético!

Bem. Materialismo é assim. Não tem nada a ver com “me engana que eu gosto”. Pau, pau; pedra, pedra! Esta é a realidade, mas me deem um tempo... Façam de contas que eu estivera sonhando ou sob narcose durante este parágrafo anterior e acordarei. Tenho certeza: vou acordar e ficar aliviado de tudo! Eu quero e faço questão de estar totalmente equivocado. Não é nada daquilo. Foi só mais um estúpido pesadelo “en passant”.

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Minha Alice já está com três anos e meio. Minha filha Mércia já me deu o Dudu com dois anos. Agora, ao invés de um velho apaixonado por uma fêmea, sou também por um machinho.

Se fosse pelo desejo carnal, coisa totalmente fora de propósito, me sinto um verdadeiro "gilete": apaixonado por XX e XY. Pode?

Gente! Não tenho mais o que fazer do resto de vida senão delirar e escrever. Prefiro as hilárias, sabem! Se servirem para alguma coisa, deleitem-se com os meus delírios. São totalmente inofensíveis. O Badinão é totalmente manso.

Dbadini
Enviado por Dbadini em 09/04/2009
Reeditado em 09/04/2009
Código do texto: T1531070