Cronica -Agruras c/bago de jaca

MEDOS e CHÁ DE MANDACARU

Crônica

Assistindo uma reportagem pela TV sobre um galho de planta encontrado no intestino de um jovem, lembrei-me de um episódio de quando eu ainda estava no período de idade entre a infância e adolescência, lá pelos anos 1932. Meu pai era muito brincalhão. Então, os adultos apreciavam fazer medos as crianças, com bicho papão, almas do outro mundo, etc., hoje inconcebível não só porque é prejudicial como as crianças desta época não se deixam impressionar por essas brincadeiras porque a TV e literatura são temas dos divertimentos preferidos. Mas, mesmo assim, alguns descendentes absorvem medos de baratas e outros bichos.

- Sempre fui um apreciador de jaca mole. No quintal de nossa casa havia uma dessas frondosas árvores. Ela produzia uma surpreendente safra de frutos de tamanhos ovais de mais ou menos quinze centímentros, lembro bem. Permitam-me abrir um parêntese: Como o corretivo de ortografia e gramática do computador insiste em corrigir o vocábulo centímentro com “s”, me fez consultar o Dicionário. Ele não existe. Deduzo que o motivo seja versão por tradutores estrangeiros. Mas, continuemos o engraçado episódio: Eu tinha o hábito de subir na jaqueira e lá mesmo degustar uma das jacas, cujos bagos são escorregadios. Eis que engoli um com uma raiz de broto e ele me engasgou. Precisei do socorro do meu pai. No interior, a gente simples tem sistema de tratamentos esquisitos. Ele me fez engolir um punhado de farinha e tomar um copo dágua. Foi tiro e queda. O bago desceu para o intestino. Ainda chorando pelos maus momentos, ouvi ele me consolar: “Não foi nada: O que pode ocorrer é nascer um pé de jaca na sua barriga.” Aquela brincadeira me traumatizou o resto da adolescência, preocupado com o crescimento da barriga, e ainda razão para até hoje abominar engolir caroços de qualquer fruta, até do tomate. Ele tinha o hábito de tomar chá de mandacaru e todos em casa o obedeciam. Na época, ordem era ordem do machão. Ele dizia que era para evitar pedras nos rins. Eu, ainda hoje, mensalmente, tomo chá de mandacaru. E sabem por que? Um meu tio, noutro episódio, nós ambos sentados na orla do riacho de águas límpidas de origem de um “olho dágua”, ele mostrou-me um pequenino seixo rolando pela correnteza e explicou-me: “Está vendo aquele seixo? Na medida que ele vai rolando, vai absorvendo lodo que vai se solidificando e crescendo, podendo se tornar do tamanho deste aqui.” Mostrando-me um seixo. Hoje há a expressão “bola de neve”. Aquela lição eu a assimilei com as sementes de frutas. Ao engolirmos, se as enzimas do intestino não as decompor, as gorduras podem se aderir a elas e formar as dolorosas e perigosas “pedras intestinais”.

Não sei se meu pai tinha razão. Mas meu tio me deu uma aula de física. Como seguro morreu de velho, continuo com meu chá de mandacaru e até hoje não padeço de doença renal. Meu irmão que era muito esperto, não se deixava impressionar. Hoje, aos 85 anos já extraiu cálculos renais e está sujeito a um regime desgastante, a ponto do o envelhecer muito mais do que a mim, com diferença de apenas três anos. Outro dia o lembrei do chá de mandacaru. Ele disse-me que havia aconselhado o genro e ele ao tomar o chá se viu obrigado a se operar imediatamente para retirar as “pedras.” É o caso, é melhor prevenir do que remediar.

Iran Di Valencia
Enviado por Iran Di Valencia em 21/04/2009
Reeditado em 26/04/2009
Código do texto: T1550804