"Eterno pro tempo"

Aos amantes do tempo!

Cá estou a escrever (ou a digitar) as minhas indagações, o que deveras minha mente faz-me sentir, aceitar e compreender junto a si própria, contudo, não as faz tangíveis às alheias considerações, definitivamente alheias. Tudo e todos desconhecem as minhas enfadonhas emoções corriqueiras. Ninguém as vê sob o mais aprazível parâmetro, não há sequer um ser humano ao meu redor capaz de abrandá-las a fim de torná-las menos trágicas à minh’alma. Para minha pessoa, ou melhor, às minhas “personas”, a la Álvaro de Campos ou a la Fernando Pessoa, é uma agonia reinante, imperativa a

que não se pode ovacionar, senão lamentar por esses incompreensíveis do amor. É um tanto triste não poder compartilhar concretamente essas visões, mas simultaneamente torna-se saboroso com elas conviver, conviver o resto de minha existência.

Pois bem. Ponho-me à mercê de vossas declarações ao aqui propagar o que para mim é um pleno desejo e para vós uma bagatela fora de vez. Acontece que o que se passa é uma mistura irrefutável, portanto, não há de se esvair mesmo que se levantem contra...

Inicia-se através do tempo, pelo tempo, para o tempo, com o tempo... Há pelo menos 90 anos essa fantasia teve sua origem. Uma bela garotinha, em sua adolescência, capaz de lutar pelo seu amor, com o fim de mantê-lo vivo, vai, pois, ao encontro de um rapaz bem mais velho do que ela. Ao se encontrarem, aquilo que poderia ter sido um mero acaso, floresce dos recônditos temporais e então acende o sentimento, o amor alado. Este, ao viajar pelo infinito, encontrou no hoje a sua completude... E aí está esse outro lado da história atemporal: o meu velho cogito.

Todos sabem que por volta do século XVII, declarou Descartes ser inverdade o que primeiro não for indagado e colocado à prova. Portanto, como saber se este mundo é real, se tudo o que existe deve ser posto em questão? Se o que os amantes dessa história sentiam (e sentem através de mim e de meu amor) é uma trivialidade do tempo? A única verdade existencial para o pensador seria ele próprio! O fato de ele ter pensado, capacitando-se à síntese das suas perguntas acerca do mundo, daquilo o que se apresentava na sua vida, deu certeza à sua presença no tempo e no espaço.

Se Descartes achou que podia se apossar de seu tempo, acho, então, que posso reter o cerne desse tempo, pelo menos o que corresponde à minha vida. Não que eu seja condizente com o viver somente do passado, mas sim com a sua recaptura. A tal historinha de antes foi polarizada, e um desses pólos encontra-se em mim. Para minhas realizações futuras. Eu sou o outro lado, estou, enfim na conclusão dessa história! Amo a quem se foi e a quem está neste meio. Meu caro amante, também sou eu uma amante do antigo, e, completando, diria ser eu a amada amante do amado tempo, entornado de anacronismos.

Para meu conforto, consigo encontrar mentes brilhantes que projetaram uma ligação com o passado de forma a resumir, talvez, o que não passava de amargura e solidão da alma. Morangos Silvestres é um clássico, no qual Bergman soube retratar a viagem de uma alma sedenta do passado e que constantemente se reencontra por meio de flashs de sua juventude. Por alguns instantes, ele (o professor e médico Isak Borg, interpretado por Victor Sjöström) revê sua amada na pessoa de uma jovem, que agora lhe é contemporânea. Sua amada falecera, mas aquele fato não foi suficiente para proibi-lo de reviver sua vida, tentando consertá-la talvez, ou, de maneira fértil, imaginar que outra pessoa poderia ela (sua amada) estar representando.

Lindamente, eu assim me sinto. Mas... Se eu parar para pensar que é impossível reacender o que já se apagou no passado, ou que as idéias de Heráclito sobre a mutabilidade do tempo, da vida, de que não se pode reviver, remontar uma história perdida, eu cá não estaria a digitar estas palavras. Eu lamento ter que viver por aqui, neste espaço, nesta era da rapidez, da falta de plenitude no amor, da superficialidade com que os homens (alguns de vós, leitores) lêem e interpretam os pequenos espetáculos da vida... As plantas, os fenômenos, os gestos de “bom dia”, “boa tarde”, “como vai?”, o perfume da natureza, o cheiro do humano... Por que não ser eterno? O que há de verdade (alétheia) para este tempo, senão a nossa humilde opinião (doxa)?

O que a mim se deve configurar é a continuação daquele romance, de como ele é forte e delicado. Tal como Chaplin, eu às vezes temo o tempo, temo que ele possa querer se levantar contra o meu ser, mas não importa o que pensem, o que ensejem de diferente do que defendo. Qual imagem! Qual pensamento! Que tentem, porém nada irá mudar... A despeito desta era da digitação, de não à escrita, de não à pura leitura das páginas tradicionais, de não aos tratos humanos, também como dizia meu velho Chaplin, unamo-nos para que isso não seja uma barreira aos clássicos encantos. Pelo menos eu irei me unir a mim mesma e aos meus desejos atemporais.

Pelo que acredito, encontrei o meu amado daquele tempo, de 90 anos atrás. Vamos reviver o nosso romance, por ora interrompido pela idéia da morte... É como se tudo tivesse voltado, mas não reencarnado! Tal como Santo Agostinho, eu sei perfeitamente como vivo isso, entendo meus anacronismos, entendo esse ou aquele tempo, mas é complicado descrevê-lo... Tão complicado para quem vive quanto para quem revive. Despeço-me com os versos de Glória Azevedo, que soube entender que para cuidar do amor não há tempo nem fronteiras: “Há que se cuidar do amor/ Como quem carrega o sonho e o tempo/ Há que se cuidar do amor/ Como se exílio pro sonho/ Como se eterno pro tempo”.