A CRÔNICA PERDIDA

Hoje eu só queria escrever, apesar de não querer aceitar, isso já se tornou um vício. É impossível para mim, passar um dia sequer sem ao menos colocar palavras , ainda que soltas, no papel. Palavras que, de maneira geral, acabam se tornando poemas depois de um certo tempo. O complicado, no meu caso, é que eu preciso de papel e caneta. Dificilmente sento na frente de um computador e digito o texto do início ao fim sem ao menos o ter esboçado no papel. Séria até mais prático, mas parece que praticidade, quando se trata da escrita, não é o meu forte. Dou mil e uma voltas com as palavras, danço com elas. Nessa dança concentro minhas energias, o que me dá um certo prazer, é o meu ritual de escrita.

Devido às minhas inúmeras tarefas fiquei impossibilitada de digitar uma crônica que escrevi no meio da minha agitação diária. Tentei fazer isso a noite mas, o cansaço apenas me possibilitou digitar duas linhas. Na autopromessa de que na manhã seguinte ela iria para o arquivo do computador, fui dormir. Manhã do dia seguinte, mil e uma coisas para fazer e a crônica me acompanhando no meio dos meus papeis utilizados para tarefas educacionais. Mais uma vez o tempo não foi favorável a mim. Nesse entremeio, antes que terminasse a dança, perdi a crônica. Sair de uma dança antes da música acabar não parecia nada interessante para mim, a sensação que ficou foi que se formou um vácuo. Tinha algo a concluir e fiquei no meio do caminho. Cada texto é um texto, cada texto é único e, essa situação de perda, foi motivo para mais um texto.

Que martírio ver perdido o que eu queria deixar registrado. Pensei por que eu não poderia fazer como a maioria das pessoas e digitar direto, mas percebi que isso não é válido para mim. Quando eu quero escrever, eu quero e pronto, a caneta tem que está na minha mão, esperar para depois é um sacrifício. Certa vez estava aguardando o atendimento em uma dessas quilométricas filas, não era literalmente uma fila porque eu esperava sentada, no ar condicionado, livre do calor torturante do verão nordestino. Mas, como em toda fila eu tinha que esperar. Durante esperas eu costumo pensar, observar, criar. Num certo momento percebi que queria escrever. Abri a bolsa e fiquei pasma ao perceber que só tinha papel, a caneta não estava lá. Tentei me conter, o que foi impossível naquele momento. Saí rapidamente, procurei e encontrei um lugar onde pude comprar a outra metade do que precisava para acabar com a minha ânsia de escrita. Mais uma vez palavras soltas no papel que eu coloquei para dormir até o momento de dançar com elas. Agora, diferente daquele instante, eu não as tinha colocado para dormir, eu as tinha perdido.

À tarde fiquei pensando onde ela poderia está. Será que se escondeu de mim? Foi roubada? Não. Roubada só a carta do conto de Edgar Alan Poe que eu teria que discorrer logo mais a noite. Definitivamente ela não foi roubada. O risco de cair em mãos erradas era só de deixar a pessoa confusa e querer rasgar o papel, algo que seria uma punhalada em mim. Minha esperança era que, na maioria das vezes, o que eu perco acabo sempre achando, quem sabe se ela não vai aparecer depois para terminarmos nossa coreografia.

Na verdade já comecei a reescrevê-la, sou incansável nessa dança louca.

Essa nova dança acaba aqui, simplesmente porque enquanto escrevia já vieram em minha mente mais idéias para me fazer dançar. Que venha a próxima música.

Silvia Pina
Enviado por Silvia Pina em 22/04/2009
Código do texto: T1554178
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