Movimentos (sempre às vinte horas)

Primeiro Movimento – 16 de abril.

          Vinte e sete bancos, quatro em cada banco e não encheu. Quantos? Mais de meia centena, menos de uma. Noite primorosa de abril. A Igrejinha na pequena praça pela primeira vez servia de palco para a arte, não para a religião. Às vezes eu tenho um estalo e encontro soluções brilhantes. Essa foi uma. Sem lugares para que se apresentassem, por força de agendas fechadas, não deixaria de trazê-los por nada. Cem lugares é pouco me disseram, mas é melhor do que sem e melhor também do que levá-los para a varanda de minha casa. Deveriam ser oito, mas vieram sete que é um número de bons presságios. 4 x 3, sendo a maioria mulheres. Mas onde a mulher não é maioria?
          O Coral Lírico da Fundação Clóvis Salgado está mostrando serviço pelo interior do Estado em pequenos Grupos Vocais. De grátis, como diz um amigo meu. A única despesa que tive foram 14 garrafas de água mineral que comprei na Padaria. Como fui eu quem comprou, paguei preço de custo que a Padaria é minha e se eu não puder levar nem essa vantagenzinha nem vale a pena ter uma Fábrica de Pães.
        O Vocal é um grupo de câmara com a particularidade de incluir em sua formação os quatro principais tipos de vozes: as femininas (contralto e soprano) e as masculinas (tenor e baixo). Com uma riqueza sonora de dar inveja, parecia até que eu estava no céu ouvindo anjos cantarem. É impressionante o que eles conseguem fazer com suas vozes! Todos ficaram felizes embora todos fossem poucos. Os aplausos foram fortes e exigentes, com bis e triz. Assim todo mundo foi dormir feliz.
 
Segundo Movimento – 18 de abril
        Outra Igreja, maior, mais sofisticada. Tombada pelo IPHAN, Patrimônio Nacional. Durante anos esteve cai não cai até que no ano passado foi devolvida pelo Município a Paróquia, bem restauradinha. Agora chove e não molha. É o xodó de todos, principalmente meu. Virou point. Tudo o que se faz lá dá ibope. Desta vez foi a Corporação Musical Euterpe Operária, que ano que vem fará cem anos. A Bandinha centenária está com tudo e está prosa, cheia de gente nova. Uma platéia bem maior, cada músico levou os parentes e os amigos e a Igreja encheu. Quem passa na rua também entra, às vezes entra cachorro, às vezes entra maluco. Dessa vez foi um maluco que, atraído pela música, resolveu dar seu showzinho particular. Ah, se não fossem os homens!...Em um minuto o coitado estava fora e eu fiquei filosofando porque estava no intervalo: distribuição de brindes. Como eu estava sem cartão para concorrer aos mais variados prêmios tais como uma cafeteira, um liquidificador, uma imagem de Jesus Cristo e outras coisinhas mais que eu não queria ganhar mesmo, fiquei filosofando. Porque na hora da música não dava para filosofar: altíssimo nível, não voei porque não tenho asas. Veja só uma amostra: O Fantasma da Ópera (os melhores trechos), Nabuco, Jurássic Park, Moolight Serrenade, Jesus Alegria dos Homens, e uma Dança Húngara que quase me fez sair dançando. E, como já disse o Rei, É preciso saber viver! Então vamos para o Terceiro Movimento que a vida é curta.

Terceiro Movimento – 23 de abril

          Dia Nacional do Choro. Centro Cultural da Estação Costa Pinto. Noventa e nove lugares que se multiplicaram nessa noite. Cadeira foram espalhadas pela varanda, antiga plataforma. Foi batizado de Teatro Municipal. Fiquei com vergonha. Para quem já teve uma réplica do Scala de Milão, chamar a Velha Estação restaurada de Teatro Municipal era muita humilhação. Meus poderes não vão a tanto, mas de tanto chamá-la de Centro Cultural, centro cultural ficou. E foi ali que eles tocaram para comemorar o Dia Nacional do Choro. Na platéia, os de sempre. Todos os anos eles vão, amigos que são dos músicos e apaixonados pelo chorinho. O mais brasileiro de todos os ritmos. Dia 23 era aniversário do Alfredo, por isso a homenagem. Alfredo foi embora, agora toca no céu. Quando ele pega seu instrumento os anjos todos param seus afazeres, os santos desligam os celulares para não serem incomodados pelos humanos com seus pedidos prosaicos e fecham roda em torno dele. Na Terra os regionais espalhados pelo país também comemoram. O nosso regional se chama Amigos do Choro. Os chorões lavrenses são seis: Celso Rodrigues, empresário do setor de transportes. Foi ele quem em 1985 deu início ao grupo. Toca um violão de seis cordas que deixa todo mundo embasbacado. Waldir Campos, bancário, violão de sete cordas e bandolim. Rubens Amaral, médico renomado, surdo e chique-chique. Lázaro Machado, cavaquinho e Cesar Oliveira, pandeiro. Esses dois são pai e filho. Adilsom Machado no bandolim completa o grupo. O repertório de sacudir defunto. Destaque para Carinhoso do Mestre Pixinguinha, que a platéia acompanha cantando. Depois fui para o D'Arte Café, com Lucas, Vera, Marilda e Regina. No palco um DJ angolano, de Moçambique. E meninas encantando com a Dança do Ventre.
Noite perfeita.