CASA DA FAZENDA

Morávamos numa grande casa de pau-a-pique. Era enorme e beirava uma escavação em um morro, tendo ao fundo uma pedreira e o Corguinho, que despejava sua minguada água por uma fenda daquela pedra e nos proporcionava um som maravilhoso no calado da noite. Tio Nilson estragou parte disso instalando um carneiro hidráulico que martelava sua melodia maçante e repetitiva por anos e anos. No fim a gente se acostumou e sentia falta quando, por qualquer motivo, ele enguiçava e parava de dar suas pancadas.

A casa da fazenda iniciava lá em cima, logo abaixo de um grande bueiro por onde escoavam as enxurradas da estrada de rodagem. A primeira construção era a oficina de vovô, próximo a sua cocheira. Agarrado a isso, vinha o paiol de guardar muitas coisas e lá existia uma janela que dava para o lado da pedreira e para uma grande árvore nascida entre as trincas daquelas pedras. Eu pendurava a minha gaiola naquela janela para pegar os canários que sempre vinham cantar pousados nos galhos daquela árvore.

Debaixo desse paiol, havia a bica da água derramando num grande cocho feito de um tronco e a sobra ia para a ceva dos porcos. Ali também ficava o galinheiro e no barranco havia muitos e muitos buracos cavados servindo de ninho para as galinhas. Uma estreita e comprida varanda ligava tudo isso à cozinha.

O chão era de terra batida. Lá estavam o fogão de lenha, uma grande mesa, o jirau e a despensa. Não havia uma pia ou tanque e todas as vezes que se necessitava de água, tinha de ir até a bica. Uma pequena escada de dois degraus alcançava uma pequena saleta e daí, através um corredor, chegava-se à sala de jantar, sala de visitas e aos quartos. Lembro-me de haver neste corredor um filtro de barro. Não havia banheiro. Fazer onde? No penico, atrás das bananeiras, bambuzal ou debaixo de qualquer moita, ô mané! Isso ainda era canja; o pior era quando não se prestava muita atenção, apanhava qualquer mato e pegava uma urtiga! Tem ideia do que seja?

Então vovô decidiu fazer uma nova casa. Teria de ser de tijolos, mas minha avó botou peito. Ela não conseguia confiar numa casa feita com tijolos empilhados. Iria cair em cima de todos nós na primeira tempestade. Meu avô argumentava que no Rio (minha avó nunca esteve lá) existiam arranha-céus com mais de dez casas empilhadas uma sobre as outras e não caía. Vovó continuou firme, fincou pé: ou pau-a-pique ou nada. Vovô, turrão como sempre foi, também esperneou, mordeu, cuspiu fogo: não iria gastar dinheiro fazendo casa de pau-a-pique. Ganhou a parada.

Tempos depois a Veia Zipina concordou e o Veio João fez uma senhora casa. Um montão de quartos, salas, um quartão para eles; descia-se por uma escadinha e lá estavam a sala de jantar com aquela mesma grande mesa, cozinha, o quarto da Nadir, a eterna companheira da vovó e, imaginem, banheiro, cara! Vaso sanitário com caixa de descarga, banheira e chuveiro com água quente e fria. Tudo canalizado com tubos de ferro pintados de vermelho. Um luxo só!

Meu avô fez uma serpentina para aquecer a água lá no fogão e a encanou para a pia da sala de jantar, para o banheiro e para a cozinha. Não havia por ali na roça nada igual. Muitas pessoas iam visitá-la para ver a novidade e houve até um grande amigo lhe pediu permissão para fazer uma casa igual. Contratou até o mesmo construtor.

Ainda devem existir essas duas casas gêmeas no município do Alto: uma no Córrego dos Índios e a outra no Córrego dos Santos. E os dois amigos... Quem sabe? Por aí!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 26/04/2009
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