Aquela lembrança que não morre

Quando o caixão foi fechado não caiu nenhuma lágrima, mas foi ali que teve início um rancor incomensurável que passou a repugnar todo tipo de atitude que lembrasse pessoas desprezíveis e amigos que custavam alguns jantares e favores pessoais. Antes do desfecho trágico, ainda que natural e talvez até necessário, ainda havia a esperança de ver aquela casa rodeada pelos chamados amigos... Foram poucos os que apareceram na enfermidade, menos ainda os que cumprimentaram pela partida.

Essas são apenas algumas das lembranças que não morrem, embora tente às vezes recordar os bons momentos também.

A dor e até mesmo a insatisfação pelo desígnio começaram a moldar uma personalidade que demonstrava até então total falta de preocupação com assuntos mais importantes. Não havia preocupação além de beber cerveja e fazer festa. E isso tudo passou a não ter a mesma graça ainda nos dias atuais, talvez por essas lembranças. A vida passaria a ser penosa. Sustentar-se sem o antigo provedor era a missão, complicada com as dívidas herdadas porque no Brasil não há direito à saúde em lugar algum que não seja naqueles papéis rasgados semanalmente.

Sobreviver não é motivador para nenhuma alma, e quem precisa reconstruir tudo não vai acreditar em teoria alguma que não conste a palavra dinheiro. Então, muitas mentes acabam sucumbindo e caminhando em um mundo obscuro – uns escolhem as drogas, outros a corrupção ou até mesmo a prostituição. E alguns escolhem até trabalhar e acreditar em sentimentos mais fortes que acabaram adormecendo após muitos murros na cara. Pela força de sentimentos como o amor, alguns crescem e sentem suas esperanças renovadas.

O problema é que muitas vezes nem mesmo o amor consegue ser mais forte que esta série de infelicidades que a maioria da população é destinada a encarar. Como são fortes estas pessoas que enfrentam a rotina e ainda assim a cada domingo conseguem colocar um sorriso em seus rostos, ao lado das famílias, dos amigos... Este escritor, porém, ainda tem muitas lembranças que nunca morrem. Infelizmente.