AMAR COMBINA COM PERDOAR?

Esta semana, ao ler uma crônica de Maria Olímpia, no Recanto das Letras, eu me vi às voltas com um verdadeiro dilema existencial: o amor sabe perdoar? Acho que, com raríssimas exceções, a resposta parece ser não.

Porém, para que o leitor entenda o meu ponto de vista é preciso citar um exemplo. Pois bem, parafraseando e/ou resumindo a crônica da referida Recantista, registro abaixo a história de amor:

Era um casal apaixonado, viviam felizes e nunca haviam brigado. Ele, muito organizado, cuidava de tudo, inclusive, das gavetas das meias - dele e da esposa; ela, uma péssima dona-de-casa, dava graças a Deus por ele aceitá-la como ela era: uma desorganizada. Nunca tinham tido filhos - ela não podia tê-los. Ela sabia que isso o deixava triste, porém, quando ela tocava no assunto ele sempre dizia que não precisava de crianças, pois já tinha ela, e que ela completava sua felicidade.

Ele, durante certo tempo, fora viajante. E, sempre quando retornava, tirava um bom período do dia para cuidar do guarda-roupa e das gavetas das meias. No entanto, certo dia ele teve um AVC e ficou semiparalisado e sem poder falar. Porém, o amor que ela sentia por ele era tão grande que ela abriu mão de deixá-lo no hospital e o trouxe para cuidar dele em casa mesmo. Para isso, o código que ela inventou para saber se ele queria alguma coisa era um piscar de olhos – se sim, um piscar; se não, dois piscares.

Um belo dia, ele sentiu frio e, como não podia falar, passou a olhar para o lado onde estava a gaveta das meias e retornar o olhar para ela até fazê-la entender o que ele queria. Ela, ao compreendê-lo, retirou uma meia da gaveta e quis pô-la nos pés dele. Ele piscou duas vezes. Ela retirou outra e ele voltou a piscar duas vezes. Até que, depois de várias meias, ela segurou uma um pouco mais espessa que as demais e ele piscou apenas uma vez. Entretanto, ao desdobrá-la, ela sentiu que havia algo dentro de uma das meias. Ao retirar, viu que era um bilhete dobrado e dentro uma foto de uma criança de olhos azuis – iguais aos do seu marido e, fisionomicamente, parecidíssima com ele. Ao ler o bilhete, ela soube que o seu marido era pai daquela criança da foto com outra mulher, e que essa mulher dizia que a criança queria conhecê-lo.

Então, aquela esposa dedicada, que amava aquele homem que jazia impotente ante a doença, naquela cama, perguntou-lhe se era aquilo que ele queria que ela visse e lesse. Como ele piscou apenas uma vez, concordando, ela retirou-se para a cozinha e, quando voltou de lá, trazia, em uma das mãos, uma tesoura. Ao chegar em frente a ele, ela simplesmente picou em pedacinhos, o bilhete e a foto da criança que era filho ilegítimo do seu esposo. A cena seguinte foi a dele piscando sempre duas vezes – como a dizer: não, não, não, e ela retirando-se do quarto para nunca mais voltar a falar com ele.

Moral da história: o ato dela acelerou o processo degenerativo dele, e ele acabou morrendo em seguida, sem que ela tivesse tido tempo de voltar atrás e pedir perdão ou, caso contrário, aceitar o perdão dele, mesmo sendo, provavelmente, através das piscadelas.

Agora, porque é que o amor não perdoa? Se amar está acima de qualquer coisa, porque é que os casais não sabem seguir o mandamento deixado por quem mais soube perdoar? Ou será que o perdão só nos serve quando somos nós a sermos perdoados?
Não sei.

Difícil conclusão filosófica.

Pensando nisso, mandei um e-mail para Maria Olímpia, comentando desta forma: “Dramático. Uma situação em que as meias apenas serviram de esconderijo para guardar um segredo. Fiquei, no entanto, aqui refletindo: como o ser humano é desumano, não é? Acho que a palavra amor não combina com a palavra perdoar, pois, ainda não vi quem amasse, perdoar alguma falha do seu amor”.

Maria Olímpia me respondeu, dizendo, literalmente, isso: “A dor da traição é inquestionável. Se há uma quebra na confiança, há uma rachadura no amor. É como um vaso valioso que deixamos cair e quebrar: mesmo que seja em um só lugar, ele perdeu o valor. Depois de uma traição o relacionamento nunca mais será o mesmo...”

Eu concordo com ela. Neste caso específico, o ingrediente foi a traição. Mas, volto a insistir: será que esse amor não era o de posse? Será que um dos cônjuges não se achava dono (a) do outro e, por isso mesmo, não aceitou (no caso dela) o fato de ter sido traída? E como revide, optou pela vingança de fazer, pela incapacidade dele, um ato covarde e sofredor como o descrito?

Talvez a traição tenha sido o desejo de um filho – que ela, a esposa, não podia lhe dar –, e que ele, na ânsia de suprir essa falta, em sua felicidade conjugal, tenha sucumbido à tentação de concretizá-la com outra, já que suas viagens possibilitariam esses encontros com a criança, fruto de seu desejo de ser pai.

Maria Olímpia continuou com a sua explicação: “... mas não posso aceitar que o amor possa se transformar em vingança. Mais que a traição, a vingança invalida toda a vida que foi vivida. Não aceito a vingança. Aliás, a vingança maior para mim seria poder aceitar o erro do outro e ser capaz de perdoá-lo. Mas acho que, em um caso desses, eu não me vingaria, mas o amor certamente acabaria. O amor para mim não existe sem respeito ou confiança. Eu nunca faria a quem amo o que eu não gostaria que fizessem comigo”.

Sinceramente, um assunto polêmico, onde as opiniões são, sem sombra de dúvidas, divergentes, mas que nos fazem reflexivos, diria até, um assunto onde devemos questionar bastante sobre a nossa condição humana diante do próximo, daqueles que queremos bem, no tocante às emoções.

E, para finalizar, será que amar é apenas usufruir do sabor doce da chama do amor? Ou será que amar é, também, partilhar as desventuras, as agruras que, ele, o amor, atrela em sua trajetória de hospedagem nos sentimentos de duas pessoas?


 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 03/05/2009
Reeditado em 15/09/2020
Código do texto: T1573093
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