DESCOBRI

Era uma vida boa aquela da infância, mas eu não pensava nas coisas de criança...

A casa onde morávamos havia um quintal de terra batida, um grande varal, um galinheiro cheio de galinhas – adorava correr atrás das mais novas, - foi aí que experimentei a morte pela primeira vez ao pisar em uma delas e estarrecida vê-la debater-se até morrer; Passei semanas sem dormir – como esquecer?...

- Adorava me esconder no galinheiro e procurar os ovos, caminhar pelo quintal... Descobrir!

Minhas seis irmãs nunca estavam comigo; meu irmão – único entre as mulheres do Roseiral de papai, jamais me acompanhava; Descobri a terra bebendo a água da chuva, um escorpião atrás da porta - que chamei de elefante e mamãe correu a tirá-lo de perto de mim, um ovo no ninho, um formigueiro gigante de formigas de roça – esquecia o tempo vendo-as incansáveis trabalhar; a vida na casa vista do alto de uma árvore, o banho de chuva... Descobri ainda as dificuldades financeiras e de como era difícil para mamãe cuidar sozinha de tantos filhos -, andava sempre irritada e de mau humor.

O tempo passou e eu ainda criança, descobria a vida em outro lugar. Não sei qual a cidade, nem minha idade; a casa agora era maior, mas havia um quintal grande sem árvore e meus olhos teimavam em procurar o que eu não sabia ia encontrar: as surras pesadas de mamãe, o auge da sua irritação, a doçura, o carinho e a defesa de papai, quando voltava de suas viagens. - Fui feliz entre a tristeza do meu corpo que ardia das chibatadas, a volta de papai -sempre viajando e as descobertas maravilhosas que fiz: um homem nu na beira do rio - uma surra! - a corrida na carroça do verdureiro pelas ruas da cidade – tome surra outra vez! - a caminhada por uma ponte de madeira a balançar a cada passo, a catapora de Rose - minha irmã hoje com Deus, a nossa casa vista do estuque por um buraquinho entre os fios – Rosália, Rose, Roseane e Roberto desta vez estavam juntos comigo.

São tantas lembranças guardadas que gosto de relembrar: A casa sempre organizada, o quarto repleto de camas, uma ao lado da outra, sempre forradas e limpas; eu deitada lendo os clássicos infantis, o chão encerado, o cheiro que vinha da cozinha e a casa nunca sozinha. Nas brincadeiras de menina os brinquedos que eu não trocaria: boneca de pano, móveis da casinha feitos de caixas de fósforo e pasta de dentes, vestidinhos de pétalas de rosas, pião de madeira, bola de gude, carrinhos de mão feitos de lata ou madeira – coitado do meu irmão!

- Mas onde a menina viajava em fantasias, era na terra, no céu azul ou escuro salpicado de estrelas, nas flores que despetalava descobrindo sua estrutura, na borboleta voando - logo morria quando suas asas eu prendia, no ser humano. Tudo entrando como alimento.

Sinto saudades da menina de mim, das emoções que vivia e que gostava de procurar a vida e nela mergulhar - ser feliz!

DEUSANEGRA
Enviado por DEUSANEGRA em 03/05/2009
Código do texto: T1573823
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