MEUS MEDOS

Quando criança tive muitos medos. Também, controlar eu e o Guilherme, cada um tendo assistência de capetas com curso de pós-graduação, mestrado e doutorado nas ciências do que não se devia fazer, só mesmo com ameaça de qualquer coisa. A gente arrebentava. Putz!

Não adiantava vovó ou Nadir falar para não comer manga verde. Tempo perdido. Então inventavam que fazia mal, dava nó nas tripas ou coisas assim. Se não deveria ir a algum lugar determinado por oferecer riscos, mentiam – e adultos fazem isto com maestria - dizendo existir lá muito prego ou arame enferrujado e provocariam o mal se espetasse no pé. O mal é a mesmo que tétano.

Nós não tínhamos muito medo desse “mal” até que o Bainho, o cavalo predileto da vovó, não sei de jeito, ficou com tétano e vovô deu tantas injeções no pobre que a gente começou a ficar com o pé atrás. Não do tétano, mas da quantidade de injeções que o infeliz tomou. Eram tantas que alguém disse que se ele não morresse da doença, das furadas das agulhas ele não escaparia. Ficou bonzinho, somente com os quartos meio duros, raspando os cascos traseiros quando marchava.

Ah! Mas eu me borrava todo mesmo era com fantasmas, mula-sem-cabeça, saci, surucutinga, caixão de defunto, defunto sem caixão, defunto de qualquer espécie e se colocassem o morto dentro da urna então o medo dobrava. Nunca, na minha infância, olhei um caixão: nem vazio e muito menos com a carga completa. Quando sabia da morte de alguém cujo enterro passaria pela estrada próxima à nossa casa, era um dia de amargura, estresse danado. Nem depois da sua passagem em direção ao cemitério eu tinha descanso. Às vezes precisava de dias para esquecer do dito cujo, ainda mais se a pessoa morta era minha conhecida. O medão esticava.

Sujeitinho corajoso era o Zé Mafada. Ficava sozinho na oficina existente lá em baixo no engenho noite adentro fazendo o caixão para colocar o morto. A janela do meu quarto dava direto na direção do engenho e eu escutando o barulho do serrote, martelada... Dormir de que jeito? Coberto até a cabeça, suando o que tinha e o que não tinha debaixo daquele calor de doido e se começava a pegar no sono... Pá, pá, pá! Para cada martelada daquela era um salto do colchão. Eu penava!

Mula-sem-cabeça! Que sufoco! Na época da Semana Santa, acho que na noite da sexta-feira ela aparecia e se encontrasse alguém dando sopa era comido sem piedade. Segundo nos diziam, ela rinchava antes, dando ainda uma chance para o supercorajoso andando àquelas horas pela estrada se mandar. Agora, como é que uma mula sem cabeça poderia rinchar? E comer alguém? Pobre de mim, como era imbecil! Benza a Deus!

Saci e surucutinga eu não tinha muito medo não. Eles habitavam as matas e somente quem ia lá cortar árvores era atacado e eu sempre estava com vovô armado com sua espingarda Trochada. Botava uma fé danada na pontaria dele. Para saci não adiantava muito ter arma, mas diziam que ele também avisava, assoviando e a gente dava nos calos. Surucutinga não avisava. Bicho traiçoeiro!

Fantasmas e assombrações foi o meu medo máximo. Por que essas pragas somente apareciam à noite para fazer malvadeza com a gente? Arrebentava com a minha paz, principalmente se nas noites frias a gente ajuntava à beira do fogão para aquecer e os adultos começavam a contar as mentiras delas com respeito a ter encontrado fantasmas e outras coisas parecidas e as magrelas sempre levavam vantagem. Se com adultos elas não davam tréguas, então com as crianças?

Felizmente tudo isso é passado. Servem somente de motivo para escrever este texto besta por absoluta falta de motivo melhor. Não tenho mais nenhum receio de encontrar assombrações, fantasmas, despachos, encostos, defuntos ou qualquer coisa do gênero. De verdade, eu ainda tenho um só e derradeiro medo: eu ser o defunto e virar medo pros outros!

Hehehe! Saravá! Bate na madeira três vezes! Sai pra lá praga pelada que eu tô de corpo fechado, trem! Esconjuro! Hum! Hum!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 03/05/2009
Código do texto: T1573961