JOÃO-DE-BARRO

Li uma crônica do Veríssimo. Nela ele maldizia uma terça-feira perdida com esses babados de fuso horário, Copa do Mundo, mumunhas as quais eu não tenho nenhum interesse. Na opinião dele, depois de certa idade a gente não pode perder nenhuma terça-feira ou quarta ou... Engraçado! Não achei que ele perdera nada, pois aproveitou a deixa para escrever uma das suas sempre belas crônicas. Pra mim, ele ganhou mais uma vez. Bobagens!

Pois eu gosto de perder meu tempo, mas aquele tempo besta, ruim, aquele tempo de preocupações, aquele quando estou estressado, aporrinhado da vida! Quem não tem desses tempos? Nem sempre se pode descartá-los, mas quando posso, daria um chute nos fundos com os dois pés juntos, se fosse possível.

No sítio a Isa fez uns banquinhos de pedras lascadas. Arrumou duas na vertical e atravessou uma outra lajota no sentido horizontal. Tem um monte deles circulando a mangueira centenária. Quando olho para aquilo, logo, logo me vem à cabeça a imagem de Stonehenge em miniatura. Sento ali e parece - por força da sugestão, de certo - que a minha alma sai, vagueia, não se mete em enrascadas, dá cambalhotas, planta bananeiras, dá banana (aquela do braço) pra tudo e pra todos e nesse transe, eu posso melhor observar as coisas ao redor.

Uma simples correição de formigas é suficiente para eu gastar minutos ou até mesmo hora numa boa. Ficou vendo aquele alvoroço, aquele caos aparente ou aquela organização invejável. Formiguinhas vão, outras voltam, livres ou carregadas com alguma coisa às costas. Param muitas vezes e trocam afagos com as anteninhas ou transferem mensagens químicas, como dizem os cientistas. Cultura inútil! Não me interessa saber isso agora. Só quero ver formiguinha ir e vir. Só isso!

Às vezes até faço uma sacanagem com elas. Não com intenção de lhes trazer algum mal, mas para observar o comportamento. Sabemos que elas seguem uma estrada invisível para nós, mas perfeitamente clara para elas devido uma substância química que elas vão deixando pelo caminho. As outras não têm mais nada o que fazer senão seguir aquela pista, coisa que todo mundo já viu um monte de formiga em fila seguindo na mesma direção ou cruzando umas com as outras no sentido inverso.

Faço com o dedão do pé descalço uma série de riscos atravessando aquela pista. Agora o caos é total. Param todas naquele limite, as de um lado e as do outro, tentando achar o caminho perdido. Não há mais feromônio ali e elas tentam identificar. Nesse momento eu perco um tempão da minha vida, porque até nuns bichinhos miúdos como aqueles há alguns mais atirados, mais... (inteligentes não podem ser!) com mais garra, mais instinto, talvez, ou tentam alternativas mais lógicas para achar o caminho.

Enquanto a maioria fica andando ao lado, algumas avançam na direção de onde estava a estrada primitiva. Por vezes chegam quase até a margem oposta, voltam, andam para o lado até uma vitoriosa encontrar de novo o lado oposto. Pronto! Está refeita a via e todas voltam à transitar como antes. Maluquice? Vá lá e faz isso! Vá ver como relaxa, velho!

Dia desses sentei na minha Stonehenge e mandei ver. Num cajueiro existente próximo eu vi dois joões-de-barro iniciar o seu ninho, construir a sua casa. Era um galho maneiro, fazia uma curva para baixo e depois voltava. Exatamente ali naquela curvatura havia um galho secundário e neste lugar eles iniciaram o seu ninho, apoiado em três pontos. Além do mais, o sentido leste-oeste deixava a salvo a entrada da casa, orientada para nordeste e, assim, abrigada das chuvas de tempestades que sempre vêm do sudoeste. Bichinho inteligente...Ôps! Cada um trazia o seu barrinho no bico e ia ajeitando daqui e dali e as paredes crescendo. Interessante é que se um deles trazia o barro, o outro ia buscar mais. Enquanto aquele não chegasse, o outro não alçava voo. E assim incessantemente trabalhavam. Trocavam piados. Conversavam?

Na semana seguinte eles lá estavam e eu trepado nas minhas pedras olhando, pensando assim largado, sem me esforçar, meu cérebro trabalhando em marcha lenta e com as coronárias no maior come-e-dorme. Não sei quanto tempo fiquei ali sem estar ali, mas quando me sintonizei de novo, percebi que um dos joões-de-barro estava lá um bocado de tempo e o outro não aparecia. E ele firme, esperando.

Chegou a tarde e eu desci para casa. Era sábado e tinha de voltar. Na semana seguinte a casa inacabada estava lá no galho do cajueiro como antes e nenhum João-de-barro.

Sentei na minha pedra e fiquei imaginar o que acontecera. Fugiu com outro ou outra? Não acredito que isto ocorra entre eles. Provavelmente algum guaxinim ou gavião tenha tocaiado aquele construtor no seu barreiro. Luta pela sobrevivência.

A meia casinha ainda está enganchada naqueles galhos. Nenhum outro passarinho interessou-se por ela. Somente eu ainda sento no banquinho de pedras, fico olhando e tentando saber o porquê. Perdendo tempo na visão de alguns e ganhando mais vida na minha concepção. Nelson Rodrigues já não disse que toda unanimidade é burra? Tô com ele!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 11/05/2009
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