Brincando de Viver

Em uma faculdade do interior de Pernambuco , estuda uma menina de nome curto, começando pela letra “E”. Essa menina gosta muito de brincar, e em quase todas as situações que ela se envolve, estão presentes as brincadeiras. Magrinha, com uma boa altura, pele morena, possui uma beleza suave e é muito inteligente. Trabalha no comércio local. Por motivo óbvio, seu comportamento profissional , certamente que toma uma direção diferente, não é como na faculdade, lá não há tantas brincadeiras , pelo menos é o que eu imagino. Eu estou sempre pedindo para que ela não brinque assim, leve as coisas a sério. Ela não concorda com a minha opinião. Meus conselho , até agora, não influem em nada nas suas atitudes. Esforço-me bastante, recorrendo a uma amiga religiosa, que estar interessada em uma mudança na postura da menina brincalhona. Quando eu encontro a minha amiga surge a Pergunta: "como vai a moça"? "Ela tá calma"? Eu respondo que ela vai bem, estar no caminho certo. E minha amiga, com aquele jeito de missionária, diz que está orando pela felicidade dela.

Recentemente, tivemos um congresso na faculdade onde estudamos, e foram debatidos vários assuntos pertinentes ao conhecimento acadêmico; do estudo do latim à estética surrealista; da intertextualidade na literatura erudita aos preocupantes problemas atuais. No nosso grupo, de três componentes, a menina que brinca, era uma espécie de incógnita. Como será sua apresentação? - nos perguntávamos, eu e o outro componente. O tema da nossa apresentação era: cotas raciais. Pesquisamos muito, nos livros, nas revistas de circulação nacional e na internet. Elaboramos um programa que tratava da situação histórica do povo afrodescendente em terras brasileiras, e com muita propriedade defendemos a miscigenação, que na visão de Gilberto Freyre é a nossa maior virtude.

Porém, em cima da hora, descobrimos uma foto norte- americana onde aparecia a estudante negra Elizabeth Eckford sendo hostilizada por uma moça branca no seu primeiro dia de aula na entrada de uma escola que até então só era frequentada por brancos. Havia também um texto descrevendo aquela terrível situação. Resolvemos que a menina que brinca ia lê-lo na abertura da apresentação. E assim aconteceu. Apenas meia hora antes de nos apresentarmos, foi entregue o texto à menina. Ela gostou do desafio e começou a ler o texto, e eu em voz baixa lhe disse que ela falasse com o coração, com toda sua sensibilidade. Para a nossa surpresa foi um sucesso. Durante alguns minutos, aquela menina tão chegada às brincadeiras, foi aplicada, comovente, sóbria. Relatou com muita competência aquela história triste, e com jeito de quem conhece bem o lado mau da existência humana.

Nas aulas seguintes, estava a menina, como sempre, rindo muito, alegre, divertida, brincando de viver.

Soleno Rodrigues
Enviado por Soleno Rodrigues em 13/05/2009
Reeditado em 24/12/2012
Código do texto: T1591507
Classificação de conteúdo: seguro