VALSA HIPPIE

 

Zilma Marques: antoniazilma@hotmail.com   

 

Nos anos 70, a canção que segue abaixo, se deu num momento turbulento da história brasileira: um período de celebração da vida alternativa, do amor livre, das drogas, das discotecas...

Nasce uma das mais belas composições de Chico Buarque de Holanda e Vinícius de Moraes:

 


  

 

Valsinha

  
Um dia ele chegou tão diferente
  Do seu jeito de sempre chegar,
    Olhou-a dum jeito muito mais quente

Do que sempre costumava olhar,

E não maldisse a vida tanto
   Quanto era seu jeito de sempre falar,
E nem a deixou só num canto,

Pra seu grande espanto
Convidou-a pra rodar.

 

Então ela se fez bonita
   Como há muito tempo não queria ousar

Com seu vestido decotado,
 Cheirando a guardado de tanto esperar.
Depois os dois deram-se os braços

Como há muito tempo

Não se usava dar

E cheios de ternura e graça
Foram para a praça
 E começaram a se abraçar.


 E ali dançaram tanta dança

Que a vizinhança toda despertou

E foi tanta felicidade
Que toda a cidade se iluminou.
E foram tantos beijos loucos,

Tantos gritos roucos
 Como não se ouviam mais,


 Que o mundo compreendeu


 E o dia amanheceu


 Em paz.

 

 

 Música: Valsinha
Autoria: Chico Buarque e Vinicius de Moraes
Interpretação: Chico Buarque

 

 

 

 

 



 

 Sempre escutei esta música com ternura na alma.

Considero maravilhosa a parceria de Vinícius de Moraes com o Chico Buarque de Holanda, pois ao ler as cartas dos dois, a respeito da composição deste lindo trabalho, pude sentir a cumplicidade existente nos dois poetas (dois grandes amigos).

O zelo que o compositor dedicou a canção, a ternura em cada verso, o romantismo... Tudo ficou muito belo e de bom gosto emocional.

Numa das cartas, que está no livro Achados, cedido por Chico, para o Caique Botkay, Vinícius de Moraes sugere um novo título para a música. Observe um trecho da carta:

De Vinícius de Moraes, para Chico Buarque de Holanda:

 

(...) Claro que a letra é sua, e eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor essas coisas. Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de "Valsa hippie", porque, parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui, no princípio, estranhou um pouco, mas depois se amarrou na idéia. Escreva logo, dizendo o que você achou.

Agora, veja a sutileza nas palavras do Chico Buarque, em sua resposta... A forma como ele argumenta a sua composição:

(...) "Valsa hippie" é um título forte. É bonito, mas pode parecer forçação de barra, com tudo que há de hippie por aí. "Valsa hippie" ligado à filosofia hippie como você a ligou, é um título perfeito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de ser filosofia para ser a moda pra frente de se usar roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver. Pela mesma razão eu prefiro que o nosso personagem xingue ou, mais delicado, maldiga a vida, em vez de falar mal da poesia. A sua solução é mais bonita e completa, mas eu acho que ela diminui o efeito do que se segue. Esse homem da primeira estrofe é o anti-hippie. Acho mesmo que ele nunca soube o que é poesia. É bancário e está com o saco cheio e está sempre mandando sua mulher à merda. Quer dizer, neste dia ele chegou diferente, não maldisse (ou "xingou" mesmo) a vida tanto e convidou-a para rodar."

 

“Convidou-a pra rodar" eu gosto muito, poeta, deixa ficar. Rodar que é dar um passeio e é dançar. Depois eu acho que, se ele já for convidando a coitada para amar, perde-se o suspense do vestido no armário e a tesão da trepada final. "Pra seu grande espanto", você tem razão, é melhor que "para seu espanto". Só que eu esqueci que ia por itens... cantado "começaram a se abraçar" sem maiores danos.

Enfim, veja aí o que você acha de tudo isso, desculpe a encheção de saco e responda urgente.

Portanto, esta canção surgiu em meio a um movimento social, denominado hippie, num período de repressão do Governo Militar, nos anos 70.

Vimos que, por Vinícius de Moraes, ao invés de valsinha, o poema se chamaria Valsa hippie. Vale dizer que as cartas dos dois não foram divulgadas na época, pois o momento era repressivo. Por falar em hippie, esse era um movimento que pregava a liberdade de ação do indivíduo; uma prática que levava as pessoas a agirem livremente e sem preconceito no período de repressão do Governo Militar. Aparentemente, seus seguidores viviam em grupos, defendiam a liberdade de expressão, de sexo, e eram contra qualquer tipo de preconceito. Um movimento que ganhou destaque no poema, em cada verso composto.

 

Vejamos então, o exemplo: dançaram tanta dança, para rodar, o mundo compreendeu... São versos que gritam pela liberdade, mas quem ouve é quem tem olhos que aprenderam a ver, a contextualizar, enquanto se delicia com a sonoridade tão bem produzida por um poeta de sensibilidade a flor da pele.

 

O referido poema é rico em metáforas, lirismo (haja vista a repressão de o Governo Militar na época). Uma maneira inteligente e criativa para fugir da censura política.

Particularmente, gosto mais das composições do Chico Buarque de que de suas interpretações. Costumo ouvir esta música, na voz lindamente sensual de Martinho da Vila, onde ele a inicia dizendo que esta é uma música que ele gostaria de ter feito.

Tudo nesta composição é muito bonito, desde a inspiração do poeta a melodia escutada nos versos (A meu ver).

 

Quando gosto muito de uma música, costumo procurar conhecer em que contexto ela foi criada, a sua história. Talvez seja o espírito pedagógico... Não sei. Só sei que esta foi uma das músicas mais gostosas de trabalhar em sala de aula, de se ouvir recordando (talvez) alguém que cativo em meu coração.

Por fim, ler o que Chico Buarque e Vinícius de Moraes constroem, é gratificante. Faz bem aos olhos e ao coração.

Para maiores informações acerca do Poema Valsinha, segue o site

fazam@mundocultural.com.br

 

Antonia Zilma
Enviado por Antonia Zilma em 14/05/2009
Reeditado em 19/09/2022
Código do texto: T1593615
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.