O transe do Pinguim

Um pensador, um sábio, um Mestre, tem, diferente das pessoas leigas e comuns, pensamentos e elucubrações profundas, e busca ir além desse mundo limitado e restrito quanto às energias grandiosas e excelsas que pairam acima de nós, numa faixa vibratória que está acessível a todos, mas somente aqueles que conseguem certo grau de elevação, concentração e purificação íntima de sentimentos e moral conseguem entrar em contato com essas forças inspiradoras e consoladoras...

Bom, meus amigos, esse preâmbulo todo que eu fiz tem por objetivo explicar como eu, um Pinguim Guru, com vários discípulos espalhados pelos quatro cantos de algum lugar incerto, nessa nossa terceira dimensão, ou talvez em outras, não sei ao certo, pois eles nunca mandaram um e-mail, um cartão de "Feliz Natal e Próspero Ano Novo", uma lembrancinha de aniversário ou uma mala direta que fosse...

Mas o fato é que eu, como um ser que atingiu um estado de ascensão espiritual tal, passo boa parte das horas do meu dia em profundo estado de transe, um quase "êxtase" celestial... E foi justamente num desses frequentes momentos de inspiração sublimada que eu, libado por uma Luz que irradiava da minha cabeça, Luz essa que somente sensitivos desenvolvidos e poderosos conseguem vislumbrar, tive a seguinte visão: Eu, Pinguim e a minha amada Princesa, fizemos a "passagem", batemos as caçoletas, passamos dessa pra uma melhor, vimos a "Luz", entenderam? Porra! A gente morreu seus tapados! (Desculpem, mas tem gente que não consegue acompanhar minha grandiosa linha de raciocínio).

Voltando à visão: Morremos em momentos próximos, mas distintos apesar de interligados entre si... Eu deixei essa vida quando, duro, sem um puto no bolso, fui fazer um "trampo" como pintor de parede numa padaria que tinha como "vedete" a venda de frango assado na brasa a R$ 9,99 com direito a uma farofinha com bacon e uma cervejinha bem gelada de cortesia...

Estava trabalhando na pintura e vez por outra o dono da Padaria enchia o meu copo com um vinho que ele me disse ser "suave e quase sem álcool..." (Quase sem álcool pra ele que já era mais que acostumado a entortar o caneco)... Entre uma talagada e outra, eu fui ficando meio tonto, e, numa das vezes que desci da escada aonde trabalhava, deixei a lata de tinta branca que tinha ficado lá em cima, cair sobre mim... Minhas penas ficaram todas tingidas de branco enquanto eu me encontrava completamente bêbado e desorientado... Nisso, o ajudante de cozinha quando me viu, me agarrou pelo pescoço com força e gritou em direção a cozinha: "Olha a galinha fujona aqui, seu Raimundo! Achei a bendita! Vou matá-la, depená-la e colocar logo para assar..." Foi dessa maneira (nada gloriosa) que eu deixei o palco da vida... Não morri como mártir na fogueira dando testemunho de fé inabalável e coragem, mas como uma galinha tresloucada e "temperada" com vinho tinto, no braseiro da padaria do bairro...

Por coincidência a minha Princesa, com algumas amigas, tinha ido, naquele mesmo dia, degustar o famoso frango assado, pois assim, enquanto elas estivessem se deleitando com o saboroso petisco, aproveitariam a oportunidade da reunião em volta de uma mesa com um belo prato e uma cerveja, para colocar a fofoca em dia...

Meus queridos companheiros, quando o dono da padaria trouxe a travessa com o frango, a minha Princesa me reconheceu de imediato, morto e "moreninho"! Como? Pelo "fetiche" que ela tinha, e que eu, para agradá-la, me submetia com Amor, qual seja: Usar uma calcinha e sutiã dela... Quando ela olhou para aquele frango, ela gritou: "É o meu Pinguim Gelado, meu Deus!"... Foi infarto fulminante... O coraçãozinho dela não resistiu ao choque de ver seu amado Pinguim "bem passado" para a outra vida. Vide foto:

Bom... Chegando ao plano espiritual, depois de passado algum tempo, fomos chamados ao setor de planejamento reecarnatório... Assim que adentramos a sala da diretoria, me assustei ao descobrir que o diretor era um cara que eu, na minha última vivência sobre a Terra, tinha sacaneado um monte! O cara, enquanto vivo, não me engolia de jeito nenhum... Ele me deu uma olhada, assim que chegamos que deixou bem claro pra mim que ele estava "melhorado", mas não estava "santificado"... Ainda guardava um certo rancor contra mim... Ele nos cumprimentou cordialmente, tentando disfarçar e controlar os seus sentimentos com relação a mim... Disse-nos sem delongas o motivo de ter-nos chamado àquele setor... Falou que, como tínhamos sofrido mortes prematuras, tendo sido nossa "hora" antecipada, deveríamos voltar ao plano material, mas separados, e dificilmente nos reencontraríamos naquela nova existência, pois toda a cidade espiritual a qual eu e a Princesa estávamos vinculados há muito tempo sabia dos barracos e brigas que nós dois protagonizávamos... Sendo assim, como forma de procurar nos ajudar no nosso adiantamento espiritual, iríamos ter vidas novas, cujo contato seria evitado. Para tanto, eu, Pinguim Gelado iria reencarnar como PEPINO e a Princesa Feiticeira envergaria as formas arredondadas de uma ABÓBORA!

Quando ouvi aquilo quis meter a mão nas fuças do diretor, meu antigo desafeto, mas fui impedido pela Princesa que me disse que se eu não me controlasse, as coisas poderiam ficar piores para nós dois: eu poderia reencarnar como um caramujo africano em Kuala Lumpur, na Malásia, bem longe dela... Eu me contive... O diretor nos dispensou... Do lado de fora do departamento reencarnatório eu fiz a Princesa me jurar que nós nos reencontraríamos de qualquer maneira...

Alguns meses mais tarde, numa sexta-feira, dia tradicional da feirinha do bairro, se ouve a voz do Senhor Lindolfo, um paraibano brincalhão e muito querido que bradava assim: "Vem, freguesa! Vem comprar aqui na minha barraca! Hoje eu to querendo voltar cedo pra casa, por isso tá tudo baratinho! Quero ver se dou um "fraganti" na minha mulher com o Ricardão! Eu tenho aqui pepino, abóbora, batata, cenoura, chuchu e muito mais! Tudo fresquinho e barato!"

Enquanto Seu Lindolfo vendia seu "peixe", em sua banca acontecia um quiproquó entre uma abóbora e um pepino... Os dois discutiam, pois o tal do pepino estava se engraçando com uma beterraba que tinha recém chegado à barraca... A abóbora empurrou a beterraba contra o senhor abacaxi que estava deitado alheio àquela baixaria... A pobre beterraba teve escoriações por conta de ter caído sobre a coroa do abacaxi, e o pepino, depois disso, levou uma sova de talo de bertalha da abóbora ciumenta...

Mais tarde, ânimos acalmados, pepino e abóbora abraçadinhos e se amando, dona Eulália, freguesa antiga, se aproximou da barraca de seu Lindolfo, como de costume, para comprar algumas verduras, frutas e legumes... Ela escolheu uma bela abóbora e reparou que tinha um pepino juntinho desta... Ela hesitou, não sabia se levava ou não o tal pepino, mas o seu Lindolfo, pra sorte do casal, empurrou o pepino na velha, fazendo um precinho camarada...

Felizes por conseguirem ficar juntos, o pepino e a abóbora não tiveram nem tempo de comemorar, pois a dona Eulália, chegou em casa comentando com o marido, Seu Frederico, que faria uma bela sopa para o jantar... Começou a separar os legumes que iriam fazer parte da dita sopa... A abóbora já prevendo o seu destino, começou a se despedir do seu amado pepino... O pepino chorava a má sorte da companheira, e pensava: "Que triste fim da minha amada abóbora... Tão altiva, parece mais uma Princesa, e vai virar sopinha para velhinhos desdentados... Vou sentir muita falta dela... Mas, pensando bem, foi bom que eu renasci como pepino, pois ele sempre fica no fundo da gaveta da geladeira, costumando morrer de velhice, e não de assassinato culinário..." Mas o FDP do senhor Frederico, passando a mão por sobre os ombros de dona Eulália, disse: "Minha velha, não se esqueça de que eu gosto de pepino na sopa, hein?" Dona Eulália respondeu: "Eu não esqueci, meu velho, o pepino é um último que vai entrar na sopa..." O pepino pensou: "Puta merda! Nem renascendo como pepino eu tive melhor sorte..." Em cima da pia da cozinha, só se ouviam os risinhos da abóbora...

Meus queridos amigos, eu, Mestre Pinguim Gelado, quando me vi de volta ao meu corpo carnal depois de ter sido arrebatado para uma dimensão que me fez ter um vislumbre do futuro, tratei de procurar o meu desafeto para fazermos as pazes, pedir desculpas pelas sarros que eu tirava da cara dele, principalmente pela baixa estatura do mesmo, prometendo nunca mais chamá-lo de toco de amarrar bode... Paguei-lhe umas cervejas, e tudo ficou resolvido entre a gente... Voltei para a minha Princesa que não entendeu quando, depois da janta, eu me debulhei em lágrimas por ela estar servindo de sobremesa um doce de abóbora...

Moral da história: Aqui se faz, aqui se vira sopa...