Pinguim x Leãozinho

Têm pessoas que adoram trabalhar em grupo, interagir com os colegas de setor... Sentem-se felizes e integrados... Estão sempre tentando reunir o grupo com festas para os aniversariantes do mês, amigo oculto, encontros para churrascadas, etc... Outros, e nesse grupo eu me incluo, não gostam de ter pessoas a sua volta, preferindo trabalhos onde possam ficar mais concentrados, sem ter um sujeito ao lado querendo puxar assunto... Trabalhar com mulheres é pior ainda, pois elas tendem a achar que se não estamos a fim de conversa, é algo pessoal... Que você não foi com a cara delas. Elas começam a se sentirem na obrigação de descobrir aonde erroaram, o que foi que fizeram ou disseram que gerasse aquele “clima” de sossego e silêncio... Enfim, mulheres não suportam o silêncio... Ficam aflitas... Entram em parafusos... Eu sou da filosofia de que “o inferno são os outros” como bem disse Jean-Paul-Sartre... Eles é que detonam a paz do ambiente de labuta...

Muitos de vocês já sabem que eu sou dono de uma pequena Editora, a “Pinguim Gelado”, e divido o espaço físico e a elaboração dos textos e feitura do blog com a minha namorada e co-autora, a Princesa... No nosso trabalho existe o estresse normal, principalmente porque além de sermos colegas no ambiente em que batalhamos pelo pão, somos namorados fora da Editora... Separamos bem uma coisa da outra... Dentro da Editora tem que rolar o total profissionalismo. E, na medida do possível, temos conseguido esse feito... Só um dia é que a coisa ficou tensa entre nós. Vou contar esse episódio para vocês agora:

A Princesa é uma grande apreciadora de músicas, e tem um gosto bem eclético... Ela sempre foi colecionadora de Cds de vários cantores... Sempre estava adquirindo uma coletânea, um “perfil” de tal ou tal cantor ou banda... Até aí tudo certo, pois ela tem um gosto musical bem refinado e parecido com o meu, sendo assim, temos muita afinidade nesse sentido... Num dia rotineiro, meus amigos, eu tinha chegado para mais um período de trabalho na Editora... Já havia iniciado os trabalhos e esperava a Princesa para contar com a eficiente colaboração dela... Ela chegou sorridente, me deu um beijo e desejou-me bom dia, e começamos a pôr mãos à obra... Enquanto eu digitava no meu computador, ouvia a Princesa cantarolando “Gosto muito de ter ver, leãozinho/ Caminhando sob o sol, leãozinho”... Eu dei um sorrisinho sem graça e perguntei o porquê dela ter desencavado aquela canção... Ela me disse que tinha comprado um Box com toda a discografia do Caetano Veloso... Eu retruquei que era grande fã da obra do baiano, mas, eu confessei (e acho que esse foi meu grande erro) que não suportava aquela música... Das várias composições dele, eu não conseguia engolir aquele “leãozinho”... Achava a coisa mais idiota do mundo... Que não gostava da melodia e muito menos da letra... Ela, que dá um boi pra entrar numa briga com este Pinguim que vos digita, deu-me uma cambada de “leõezinhos” para me azucrinar... E assim ela fez: De 10 em 10 minutos lá vinha a bendita música: “Gosto muito de ter ver, leãozinho/ Caminhando sob o sol, leãozinho”... Eu respirava fundo... Repetia pra mim mesmo que aquilo era uma provocação, que ela estava tentando me desestabilizar, querendo me ver explodir para dizer que eu não respeitava nem mais o sacrossanto ambiente de trabalho, que agora estava dando meus “tremeliques”, meus ataques de galinha d’ angola de geladeira Frost Free num lugar que deveria ser neutro, acima de qualquer desavença entre nós dois e que ela só estava cantando uma música inocente e muito famosa... Que se eu não tinha capacidade de apreciar uma boa música, então que eu me calasse e deixasse-a, mulher sofisticada e representante da classe nobre, me ensinar o que é “sensibilidade auditiva”... Eu já conhecia aquele discurso persuasivo e defendido com ardor que ela sempre proferia e que tinha por intuito me deixa por baixo da carne seca...

Eu já estava ficando tonto, a raiva me consumindo, pensava em cortar a língua da Princesa para que ela não conseguisse cantar nem “atirei o pau no gato”. Foi quando eu, Pinguim astuto e sagaz, pensei: Com a Princesa só funciona a lei de talião: “Olho por olho, dentre por dente"... Eu usaria de retaliação! Eu dei meu sorrisinho satânico e lembrei que tinha uma música que ela odiava mais do que tudo... Vocês querem saber qual? Eu vou dizer: A dança do Créu, do tal Mc Creu... Puta merda! Ela tem pânico da voz e da letra do cara... Além de eu cantar a dita cuja, eu baixei no meu celular o ringtone da música... Quando a porcaria do celular tocava, nada mais da harmoniosa melodia de Kenny G, mas uma bagaceira do Créééééééééééu! Apesar de eu ser um Pinguim, eu tenho um espírito de porco... Eu cantava sem parar...

Parecíamos dois espadachins, dois esgrimistas em pleno duelo onde as espadas tinham sido substituídas por músicas que entravam pelos nossos ouvidos e provocavam ferimentos nos delicados tecidos cerebrais, matavam nossos já escassos neurônios e faziam com que continuássemos agindo de forma infantil e quase que irracional...

O clima estava ficando tenso de tão insuportável e quando a terceira guerra mundial estava prestes a ser deflagrada na Editora Pinguim Gelado, eis que chega a dona Jurema, a senhora encarregada de fazer a limpeza do local, munida de balde, vassoura, pano de chão, sabão e a Música “Piripiri” da Gretchen: “Piripiripiripiri O-ooo Oh, mon amour O-ooo, piripiripiripiri”

Eu a Princesa nos entreolhamos, abaixamos a cabeça e começamos a trabalhar ao som do estonteante melô que dona Jurema cantava com voz animada enquanto executava a faxina, que ela enfatizou, seria a mais caprichada de todas, sem hora para acabar, pois ela queria tudo brilhando e cheiroso...

Moral da história? “Não há nada tão ruim que não possa ficar pior!” Ah, e, com certeza, a dona Jurema não fala bem o francês, nem mesmo o básico contido na música da Gretchen... Ouvi-la trucidando a língua francesa foi de arrepiar...