A morte da lesma

A morte da lesma

Quando a gente encontra uma lesma morta, é um ótimo momento para parar para pensar. Aliás, não é todo dia que damos de cara com uma lesma morta.

Hoje foi o dia em que encontrei a lesma morta.

Tudo se deu de um modo simples: estava, eu, no banheiro, lavando as mãos depois de escovar os dentes, pensava nas espinhas despontando no meu rosto enquanto me olhava no espelho... Não, não foi no banheiro que deparei com a lesma, foi no meu quarto, citei o banheiro, porque o ato de lavar as mãos realmente faz sentido para minha narrativa. Logo depois que saí do banheiro e fui para o meu quarto, deparei com algo no chão, era algo pequeno, comprido e preto. Como já era noite, a luz acesa do meu quarto não iluminava tão bem aquilo no chão. Pensei logo que aquilo fosse um pedaço de plástico preto da minha mochila que está despedaçando, mas não era. Sabe porque concluí que não era? Porque chutei-o com o dedão do pé e o treco que eu chutei era algo duro que estava grudado no chão. Com o chute do dedão, ele descolou. Se não era um pedaço de plástico da minha mochila despedaçada, o que poderia se? É claro que não pensei numa lesma. Pensei que fosse um pequeno graveto. Mas como um graveto estaria colado no chão daquele jeito? Então meus pensamentos logo voaram para a seguinte pergunta: Será que tem um rato no meu quarto? Estava lembrando de alguns dias atrás, quando encontrei fezes de rato (ou seria de lagarto?) no meu quarto. Pensando em rato, meu pensamento voou para anos atrás, quando, no lugar de fezes, encontrei um rato arruaceiro no meu quarto. Mas, também, aquela coisa estranha no chão do meu quarto poderia ser fezes de lagarto. Será que algum lagarto entrou no meu quarto? Pode até ser estranho, mas no forro da minha casa não moram morcegos, mas, sim, lagartos... e eles ficam enormes! Quase sempre um se aventura a entrar em casa, escorregando com suas garras afiadas pelo azulejo. Pensando nos lagartos, olhei para o teto, talvez houvesse um buraco ali para o lagarto não ter precisado entrar no meu quarto, o buraco poderia ser a fossa da casa dos lagartos. Mas não havia buraco nenhum. Então eu decidi aproximar os olhos daquilo ali no chão. Agora entra a importância das minhas mãos lavadas. Eu não queria encostá-las no chão, cheio de cabelo, pó e outras coisas repugnantes; muito menos naquele treco desgrenhado. De joelhos eu peguei uma régua de um cursinho que estudei e comecei a cutucar o nosso objeto, era duro, estranho, parecia torrado, mas não como uma torrada, como uma pessoa feita carvão torrado, já viu uma? Eu não, mas já vi um cachorro torrado feito carvão torrado. Como eu concluí que era uma lesma feito um cachorro torrado feito um carvão torrado? Eu vi que tinha duas anteninhas onde não parecia ser o bumbum de uma lesma, e também virei ela de barriga para cima e vi que parecia a barriga de uma lesma (como se eu já tivesse visto muitas barrigas de lesma). E onde ela estava grudada ficou uma marca de gosma seca dela.

A morte da lesma realmente faz a gente pensar. Como é que pode aquele ser apodrecer ali, no centro do meu quarto, de modo tão esquisito, a ponto de transformar-se em cocô de rato? (Acha que fezes fica melhor)? Quanto ela andou? Provavelmente muito tempo, só para chegar no meio do meu quarto deve ter levado pelo menos meio dia, não que meu quarto seja grande, mas porque a lesma era pequena e lerda. Não sei se já viu uma lesma andando, mas a gente só sabe que ela está andando porque fica uma meleca atrás dela, as lesmas são muito lerdas. Ela não deve ter vindo de muito longe, mas, se ela veio do meu quintal ou de qualquer outro lugar da casa, deve ter sido muito longe para ela, para, simplesmente, parar no meio do meu quarto e morrer e virar uma coisa preta e dura! Será que ela tinha algum lugar para ir, algum destino? Ou será que ela estava andando sem rumo? Será que as lesmas tem algum lugar para irem? Acho que elas são seres que nascem apenas para andar para lugar nenhum.

Pobre daquela lesma, com a régua eu a peguei e a joguei na privada do banheiro, não dei descarga para não desperdiçar água a toa, mas agora ela jaz perdida nas profundezas das águas imóveis da minha privada. O triste destino da lesma: ir para o ralo depois de uma mijada.