ZOOLÓGICO

Era um domingo de sol e resolvemos fazer um daqueles típicos programas que as famílias fazem em ocasiões como esta. Peguei o carro, e seguimos todos, eu, minha esposa, meus dois filhos e minha irmã Adriana, que desde que usava fraldas responde pelo apelido de Ticha. Por quê? Não tenho a menor idéia, mas, é assim que a chamamos.

Pois bem, partimos rumo ao nosso destino, o Jardim Zoológico municipal, ambiente simpático que fica localizado na Quinta da Boa Vista, no tradicional bairro de São Cristóvão. Para quem não conhece o Rio de Janeiro, o lugar fora uma das residências da Família Imperial Brasileira, e hoje, o palácio é um museu.

A Quinta corresponde a uma extensa área arborizada, com um lago na parte central, abriga diversas opções de entretenimento para a criançada, e em toda parte do gramado encontramos famílias dos subúrbios cariocas confraternizando em animados piqueniques.

Continuando, depois de muita luta para localizar uma vaga no estacionamento ( é um absurdo o valor cobrado ) ganhamos as dependências do parque. O zoológico ficava a uma certa distância de onde deixei o carro, e com isso precisaríamos atravessar todo aquele longo caminho. Você deve estar se perguntando qual seria a preocupação afinal, não é mesmo? Então respondo: Toda aquela extensão era dominada pelos mais diversos tipos de tentação para a molecada; pipoca, algodão-doce, cachorro-quente, brinquedinhos e lembranças, doces variados, enfim, tudo aquilo que eles adoram e que fazem o meu sofrido bolso doer bastante.

Vencemos os obstáculos, claro, desviando das bicicletas e skates, e chegamos até a bilheteria do zôo, com quatro latinhas de refrigerante, três churraquinhos no espeto, um cachorro-quente e umas barras de chocolate na bolsa. Ainda fui obrigado a prometer comprar a pipoca lá dentro.

Uma coisa que sempre me deixou intrigado, desde que eu era criança, era aquela barra de ferro na portaria. Explico, trata-se de uma abertura, logo na entrada, que limita a altura de um metro e permite que qualquer criança que possua até aquela estatura tenha livre acesso às dependências do estabelecimento sem a necessidade de aquisição do ingresso. O que me intriga? Ora, não seria mais fácil exibir um documento de identificação? Sei lá, tipo até uns dez anos, talvez, no meu entender, se a criança tiver oito anos e for um futuro jogador de basquete, não tem vez? Ou se tiver quinze e for um nanico? Sei lá, sempre achei esquisito isso, mas...

Após uma longa fila ( acho que metade da cidade teve a mesma idéia ) consegui adquirir os bilhetes, lembro de ter pago os vinte e cinco reais cobrados com uma nota de cinqüenta, e só lá dentro, diante do viveiro das araras, percebi que não havia pego o troco.

Minha esposa ficou uma fera, eu disse para ela deixar para lá, afinal, a culpa havia sido minha, por, naquela confusão, não ter conferido o troco. Mas, teimosa como só ela, disse que voltaria lá e mudaria de nome se não voltasse com o dinheiro. Naquele momento não duvidei, vocês não conhecem a figura quando coloca uma coisa na cabeça.

Dito e feito, ela retornou com o troco na mão e um sorriso nos lábios, disse que não fora preciso esbofetear a mocinha do caixa, pois o valor já estava reservado esperando que alguém o reclamasse. Nessa hora pensei: “Puxa, ainda há gente honesta nesse mundo”, salvaria uns trocados, ledo engano, nem cheguei a botar a mão na grana, ficou na lojinha que tirava fotos e emoldurava em pratinhos, ainda precisei completar para conseguir os dois objetos com decoração do Rei Leão.

O dia corria satisfatoriamente bem, até demais, pensava eu, quando finalmente chegamos ao ambiente dos ursos.

Dentro daquele lugar amplo, enfeitado por enormes pedras, dois tratadores cuidavam de um filhote, enquanto vários adultos se espreguiçavam nas pedras aproveitando o banho de sol. Nesse momento, nesse exato momento, um grupo de adolescentes se aproximou pelo lado oposto de onde estávamos, e uma delas apontou o dedo e disse em alto e bom som:

- Ih, olha lá um urso de óculos!

As outras acompanharam a indicação da menina e começaram a rir. Elas não imaginavam a situação na qual acabavam de se meter, minha irmã, a Ticha, lembram-se? Então, ela, até hoje é, digamos que, meio cheinha, e ostentava um daqueles óculos de grau bem chamativos, e para piorar a situação é irritada por natureza e não gosta de levar desaforo para casa.

Ela quis partir para cima das garotas, gesticulava e gritava a plenos pulmões:

- Urso de óculos, ela vai ver quem é urso de óculos, vou dar um soco nela!

Eu não sabia se ria ou se a segurava, meus filhos rolavam pela grama gargalhando com o ataque histérico da tia. As garotas do outro lado, ao notarem a cena, acompanharam o riso e aumentaram o coro:

- Urso de óculos! Urso de óculos!

Minha esposa bem que tentou, mas também não conseguiu se conter e chegava a verter lágrimas de tanto rir. A única que não achava a situação engraçada era a própria Ticha, que queria porque queria esganar a menina.

Demorei a entender o porquê das garotas terem agido daquela maneira, zombando da minha irmã a troco de nada, mas, finalmente percebi. Enquanto ela me arrastava como uma fera a solta pelas muretas, notei uma plaquinha que dizia “Urso de óculos / Tremarctos ornatus” não alimente os animais...

Não agüentei, aí foi a minha vez de cair no chão e gargalhar, ela nada entendia, eu apontava para a placa e então ela se deu conta de que as meninas se referiam ao urso, ao bicho mesmo, pois essa era a espécie, urso de óculos, e não a ela por ser gordinha e fazer uso do utensílio para enxergar melhor.

Desde esse dia ela nunca mais quis ir ao zoológico.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 18/05/2009
Reeditado em 18/11/2009
Código do texto: T1601191
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