REMÉDIO DE BOI

Minha mulher adora receitar; receita até para mim. Felizmente ela é vidrada em chás e outros recursos naturais, não tendo muita intimidade com medicamentos da indústria química.

Sabe um monte: banho de arnica com sal ou emplasto de saião para pé destroncado; chá de capim limão, como calmante; uma montoeira para estômago, fígado e afins: boldo, macaé, carqueja, broto de goiabeira. Também é craque na unha de vaca, funcho e toca o bonde.

Ela tem um irmão, o Zé Ricardo, veterinário que tem facilidades para conseguir amostras de produtos para animais e as manda com frequência, como produtos para embelezar bichos, pílulas para evitar pulgas, mais isso, mais aquilo e por último uma pomada que a minha mulher está encantada e se desmancha em elogios sobre a dita. Serve para tratar bois e cavalos que tenham qualquer junta inchada.

Eu sofro de gota. Reumatismo filho da mãe para doer. Não é uma dor como a da cólica que aperta, dói à beça e passa, dando um ligeiro refresco no possuído. A dor da gota é constante: uma hora, duas, seis; um dia, dois... E lota o saco. De início a gente tolera, mas depois vai perdendo a paciência.

Pois dias desses a Isa propôs passar um pouco daquela panaceia porque era na junta e estava inchada. Até então eu não imaginava ter alguma relação de parentesco com bovinos, mas nesta altura a gente já aceita qualquer coisa e, achei mesmo, se bem não fizesse, também não poderia fazer mal, depois de ler a formulação da pomada.

Só fiquei um pouco acabrunhado por me ter classificado como boi. Ela não deve saber, além do mais, existir certa hierarquia nesta classificação de animais. Touro é o boi novo, de raça definida e responsável para emprenhar as vacas: é o todo-poderoso. Tremendo vida-mansa; papa-tudo; papão. Boi, no sentido da palavra, serve para puxar carro, já mais manso e pode ser inteiro – com os “documentos” - ou castrado – sem os ditos cujos, claro. Ela teria obrigação de me colocar entre os touros. Ou não?

Passou aquilo com cuidado e depois disse ter de colocar meia grossa porque senão poderia apanhar um resfriado. Arranjou um meião de futebol não sei como e começou enfiar aquilo no meu pé. Doeu um pouco e eu chiei. Parou. Já estava bom. Olhei. Aquele pedaço de meia pendurado, de cara, me deu a ideia de eu ser, sem tirar nem por, um daqueles espantalhos que se coloca no arrozal. Ridículo.

Aguentei. Estava por baixo mesmo. Moral abaixo de zero. Depois de umas tantas horas, o cheirinho da cânfora e do mentol era o mesmo; o friozinho também e a dor idem. Tudo igual. Disse isto para ela numa das suas visitas ao quarto. Caiu de esporro em cima do infeliz aqui sem poder de reação. Disse que nenhum remédio cura tão rápido e que seriam necessárias novas aplicações... blá, blá, blá! Me deu uma aula de medicina, caso eu estivesse ouvindo. Tava desligadão.

E dali mesmo danou a gritar a Maria para trazer o remédio pra vaca...

- O quê? Pega essa pomada e vai passar no pé da sua mãe lá em Pirapetinga! No meu pé você não vai passar remédio de vaca não senhora! Ta me estranhando? E, ela, lá num canto, se deu conta e estava morrendo de rir.

Eu, vaca! Não liguei muito quando ela me classificou como boi, como já disse. Sem dúvida, depois de quarenta anos juntos ela deve ter percebido que alguma coisa mudou; “o coisa” não é mais como antigamente. Hoje anda meio assim, assim... Médio! Manja? Por cima, me fez queimar etapa. Boi capão, pelo menos, não deixa de ser macho, não tem de enfrentar touro. Agora, me classificar como vaca? Nesta idade? E, se você não sabe, fique sabendo: tourinho novo, fogoso não tem esse negócio de só querer vaca nova, não! Encara qualquer uma. Tá doido, homem!

Quer saber? Eu acho mesmo estar exagerando com dor da gota. Não é assim tão forte como imagino. Frescura. Eu já estou até me acostumando, me afeiçoando a ela e quando amaina um pouquinho só, sinto sua falta. Pode doer à vontade, gotinha querida; deite e role. Eta trem bão, sô!

Vaca? Eu? Tem cabimento!

Dbadini
Enviado por Dbadini em 20/05/2009
Código do texto: T1605230