O SOBRADO AMARELO

Quarta-feira pela manhã, indo tranqüilamente para o meu trabalho, passo debaixo da mangueira em flor plantada rente ao muro, no quintal daquele antigo sobrado amarelo da Rua José Niero...

Meu Deus...Que cheiro de saudade!

Saudade da minha infância...das brincadeiras debaixo das velhas mangueiras floridas ou carregadinhas de mangas maduras, suculentas, perfumadas...

Erguia os olhos do velho carrinho de tábua e via meu pai...silhueta recortada no horizonte, enxada às costas, enxugando o suor do rosto com os braços...Com certeza voltava pra casa.

E de longe ele sorria ao passar por mim...

E hoje, depois de tantos anos, é que recordo o quanto era bonito o seu sorriso...E que naquele sorriso, simples, estava todo o seu jeito de demonstrar o seu amor.

Mas quando ele nos pegava a fazer alguma traquinagem...Deus nos acuda! Como sua mão era pesada!

E além de tomar uns bons tabefes, ainda gritava com cara de bravo!

E que engraçado!

Essa sempre foi a imagem de meu pai que me seguiu a vida toda...

E quarta-feira...passando sob aquela mangueira me bateu aquela ponta de saudade...

Saudade da calça curta e do suspensório surrado...do pé descalço, quase sempre ferido por espinhos ou pedras...

Saudade de quando perdi a inocência da infância...De quando perdi a mão que segurava a minha mão e fui adquirindo a coragem de caminhar sozinho.

Saudade de quando aprendi a questionar...

Abrindo portas para um novo mundo e fechando janelas, irremediavelmente deixadas para trás.

E me vi crescendo...adolescendo...amadurecendo...envelhecendo...

E assim vamos perdendo aos poucos alguns direitos e questionando outros. Perdemos o direito de poder chorar bem alto...perdemos o direito de dizer absolutamente tudo o que nos passa pela cabeça, sem causar nenhum melindre.

E perdemos o direito de gargalhar, de andar descalço na enxurrada, de tomar banho de chuva, de lamber os dedos sujos de chocolate e soltar “pum” sem querer...

Já não podemos pular no pescoço de quem amamos e tascar aquele beijo estalado...

Mas aprendemos a apertar a mão de todos, ganhamos novos amigos, aprendemos uma profissão, conquistamos uma família.

De repente, percebemos que ganhamos algumas rugas, algumas dores nas costas ou nas pernas, ganhamos peso e perdemos cabelos.

Nos damos conta que perdemos também o brilho no olhar, esquecemos os nossos sonhos, deixamos de sorrir. Perdemos a esperança.

Estamos envelhecendo...

E então, debaixo daquela mangueira florida do sobrado amarelo da Rua José Niero, compreendi que o importante é: que a gente cresça e não envelheça simplesmente...Que tenhamos dores nas costas, mas que alguém as massageie...Que tenhamos rugas, mas também boas lembranças...Que tenhamos juízo, mas mantendo o bom humor e um pouco de ousadia...Que sejamos racionais, mas que lutemos por nossos sonhos...

Afinal, o que é o tempo?

Não é nada em relação à nossa grande missão...E que missão!

(hoje a mangueira não existe mais. Foi cortada...e o sobrado amarelo da Rua José Niero transformou-se, restaurado, num escritório de advocacia e imobiliária)

Dia 22 de Agosto - Dia do Escritor Louveirense.

Ademir Tasso
Enviado por Ademir Tasso em 26/05/2009
Código do texto: T1616173
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