Cartas de Salamanca - AS LIVRARIAS E SEUS HABITANTES

As livrarias possuem um ar diferente. Não se faz necessário ser místico para perceber certa aura que as envolve. É-nos fácil sentir, ao adentramos em uma delas, que algo suscita certa diversidade em seu clima, tornando-as díspares em relação às lojas de artigos diversos.

E esta característica sempre me despertou atenção. Por outro lado, é presumível que os ‘habitantes’ de uma livraria, conversem e cultivem o hábito de discutir sobre as novidades literárias com amigos que compartilham do mesmo gosto. Sem esquecer, claro, que existem outros perfis distintos como, por exemplo, daquele apressado comprador de um livro esporádico.

Em Mossoró – como em qualquer outra cidade –, ao longo do tempo, as livrarias foram mudando e seus freqüentadores também. Comentava-me certa vez o professor Rodrigues Alves que era costume do grande Martins de Vasconcelos, por volta da quarta década, do século passado, protagonizar, em sua Tipografia O Nordeste, reuniões literárias com considerados nomes da intelectualidade mossoroense. Walter Wanderley, Eliseu Viana, José Octávio, Mário Negócio, Amâncio Leite, Manuel Assis, Raimundo Nonato da Silva e Lauro da Escóssia foram alguns nomes lembrados pelo meu saudoso tio. Na década seguinte, a Tipografia O Nordeste foi transformada em tipografia e livraria, sob o comando de Francisquinho Vasconcelos, que veio a substituir seu genitor.

É óbvio que em movimento dialético, vamos assim dizer, outras tantas livrarias existiram em Mossoró, como foi o caso da livraria de seu Otávio Pereira de Lima e a Livraria Valério, de propriedade de Napoleão Valério, mas, destas, infelizmente, não saberei dizer quem eram seus assíduos freqüentadores.

Já em meados da década de oitenta, lembro bem, que a Livraria Independência tornou-se “ponto de encontro da cultura mossoroense”, na medida em que Gonzaga Chimbinho recebia, principalmente nas manhãs de sábado, numeroso grupo: Pe. Sátiro, Elder Heronildes, Anchieta Alves, Paulo Linhares, Zé Maria Caldas, Aluisio Barros, os saudosos Lourival Góis e Maurício de Oliveira, dentre outros.

Nos dias atuais, é na livraria O Poty, sucedânea da Café & Cultura, que os amantes das letras costumam reunir-se: Clauder Arcanjo, João Maria, Antonio Alvino, Kydelmir Dantas, Chico Rodrigues, Jessé Andrade de Alexandria, Paulo Gastão, Marcos Ferreira, Mário Gerson, Kildare Gomes, Franklin Jorge, Marilene Paiva, Katharina Gurgel, dentre outros, batem papo, entre um gole e outro do saboroso café ali servido. Também não podemos esquecer que vários deste grupo, acrescidos de outros tantos nomes, costumam freqüentar, aos sábados, a agradável confraria no Sêbado do dentista Marcos Almeida.

Em Natal, posso citar pelo menos duas livrarias e alguns de seus circunstantes, em diferentes épocas. Nos dias atuais, na Poty da Cidade Alta, facilmente encontramos com Inácio Magalhães de Sena (o bispo de Taipu), Vicente Serejo, Manoel Onofre e Antonio Capistrano, compartilhando as novidades com outros tantos confrades.

E foi do próprio Capistrano que li outro dia um artigo onde ele se referia que, na década de sessenta, a Livraria Universitária, de Walter Duarte Pereira, era freqüentada por Américo de Oliveira Costa (autor do livro: A Biblioteca e seus Habitantes), Alvamar Furtado, Grácio Barbalho, Otto de Brito Guerra, Veríssimo de Melo, Edgar Barbosa, Raul Fernandes, José Bezerra Gomes, Berilo Wanderley, Luis Carlos Guimarães, Myriam Coeli, Zila Mamede, Otacílio Cardoso, Francisco da Chagas Pereira, Onofre Lopes, Padre José Luis, Djalma e Luis Maranhão, Câmara Cascudo, João Maria Furtado...

Aqui em Salamanca costumo ‘habitar’ três livrarias: Ratio Legis, Livraria Universitária e Livraria Cervantes. Na primeira, minha abordagem é tão-somente técnica. Apesar do cordial atendimento que recebo, a especificidade temática da mesma não deixa margem para mais. Na segunda, algumas vezes tive a oportunidade de rapidamente conversar com o gentil gerente. E creio que a “abertura” se deu pelo mesmo conhecer um pouco da literatura brasileira, dizendo-se, inclusive, leitor de Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade.

A Cervantes é a maior da cidade. Seu movimento é intenso. Mas, como minhas visitas geralmente são motivadas por buscas objetivas, demoro-me pouco, ainda não consegui verificar se existe alguma turma de final de tarde, a bater papo.

É óbvio que existiram e sempre existirão saraus literários nesta cidade. Afinal de contas com quem e aonde conversava, por exemplo, o inolvidável Miguel de Unamuno? E Torrente Ballester? Deste, vale dizer, desperta atenção uma escultura de bronze, em tamanho natural, entre as mesas da centenária cafeteria Novelty, na Plaza Mayor, como homenagem ao ilustre freqüentador que ali marcou época. Para mim, uma cidade também se revela por suas bibliotecas, livrarias, e, é claro, por seus ‘habitantes’.

David de Medeiros Leite
Enviado por David de Medeiros Leite em 27/05/2009
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