O verbo "ficar"

Usar as coisas, amar as pessoas. Nunca o contrário! (Anônimo)

O verbo mal conjugado em nosso século é o “ficar”. Graças a ele, vejo os meus contemporâneos sofrerem com os resultados de suas ações. Acreditam em quase tudo que essa forma verbal possa oferecer por sua natureza quase instantânea de concretização.

Confiam os mais sábios que ele pode ser conjugado a dois e dar certo no futuro. Falam como se uma ação verbal tão ultrapassada fosse substituir, além de evitar, as mazelas de um tradicional namoro.

Hoje, pense bem, não temos uma verdadeira conversa. Daí as mulheres recorrerem à velha desculpa de que os homens odeiam discutir relacionamento. Não admito tal posição se, pelo menos, ela “ficou” o tempo necessário conversando com o seu par, antes do relacionamento tornar-se sério e duradouro.

O amor virou algo de experiência e “ficou” distante de sua natureza poética. Para Diotima, no livro “Diálogos” de Platão, ele seria definido, em síntese, por uma única frase: “O amor é o desejo da posse perpétua do que é bom.”

Isso pode ser um exemplo filosófico, mas representa irrefutavelmente a banalização desse sentimento em nossos dias. Camões também nos ajudaria com a paráfrase bíblica em que “O amor é fogo que arde sem se ver”. E poderia trazer exemplos de nossa realidade também.

O meu alerta faz-se necessário pelo “sucesso” obtido por esse verbo em todas as práticas sociais. Escolhi o exemplo central, visto que os outros são conseqüências dele.

Se não desejamos amar perpetuamente à pessoa com quem vivemos ou àquilo que fazemos, o que estamos praticando?

Aí aparece uma esdrúxula expressão como “mal-ficada” que explica todos os aborrecimentos dos jovens com a maior solução do planeta. Conheço vários que “ficam” em depressão, com ansiedade e “ficam” ranzinzas diante do amor.

O quadro se agrava com algumas jovens que atribuíram, ao termo, as suas fantasias. “Ficaram” grávidas, sem apoio da família e sem perspectiva de vida. Na vida social, os jovens desejam “ficar” ricos numa outra ilusão impossível. Ainda, “ficam” bonitos na academia para defenderem o próprio corpo como personalidade.

Por outro lado, defendo o amor. Esse sentimento pode ser alimentado com qualquer outro que nunca nos deixará arrasados com a vida.

“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita o mal;” Isso era o que Camões tentava nos dizer quando parafraseava esse trecho da Bíblia já na Renascença.

No entanto, devemos ressaltar o espírito inovador daquele século que ultrapassa o nosso. A história pode comprovar a minha afirmação. O “ficar” retirou, por acaso, a magia do ocasionalismo do amor. Ninguém mais acredita em amor à primeira vista, embora acreditem na existência do romantismo.

Acho impossível haver um romance (não falo sobre o literário) sem o mistério proporcionado entre os olhares amorosos. O “ficar” está longe de professar esse agradável “ocultismo”. Sempre sabemos, após uma festa, com quem fulano ou fulana “ficou”! Enfim, devo “ficar” por aqui. “Fiquei” além do limite para questionar os limites desse verbo tão estranho que as pessoas insistem em conjugar. Eu prefiro ser tradicional e amar eternamente o que há de melhor em nossa vida: O amor.

Rômulo Souza
Enviado por Rômulo Souza em 31/05/2009
Código do texto: T1625213
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