Como é bom viajar de ônibus.

Como é bom viajar de ônibus! Parece loucura afirmar isso, mas para aqueles (e são muitos) que viajam ou já viajaram, principalmente para outros estados, sabem o que eu estou falando. Numa sociedade onde tudo tem que ser rápido (ou quase tudo), e-mails substituindo as cartas, notícias on-line no lugar de jornais, almoços em fast-foods, a entrega “delivery” em cinco minutos, namoros relâmpagos, paixões que vem e vão em segundos, casamentos com data de validade, crianças precoces, o famoso miojo (ainda prefiro uma macarronada), férias de quinze dias e olha lá, a fama que não é mais em quinze minutos e sim em cinco e citaria até mais “SE NÃO ESTIVESSE COM PRESSA”, afinal “time is Money” ou “tempo é dinheiro” .

Então porque viajar de ônibus e não de avião? Para outros países porque não ir de navio? (Bom essa questão deixo para outro dia). Lendo isso vocês devem estar pensando que tenho medo de avião, muito pelo contrário, sou totalmente adepto a este tipo de transporte, apenas estou querendo mostrar que pelo menos um dia em sua vida viaje sem pressa de chegar e muito menos de voltar.

Essa cultura de utilizar o ônibus como meio de transporte entre estados é antiga (apesar da mudança que está ocorrendo de uns tempos para cá) e começou com a migração de nordestinos (coloco eles em foco por ser a maioria, mas sabemos que há pessoas de todo o Brasil vivendo em São Paulo) quando saiam de suas terras áridas castigadas pelo calor, sozinhos ou com suas famílias enfrentando as BR’S (Estradas federais) precárias que uniam as duas regiões, tendo pela frente horas e horas de poeira que se misturava com ansiedade e esperança, que a cada km rodado aumentava ainda mais, na busca de um futuro melhor.

Tudo bem vocês devem pensar! Esse sofrimento era inevitável até quinze anos atrás, o valor cobrado pelas empresas aéreas era estrondoso, e não tinham outra alternativa (30 ou 40 anos atrás ainda tinha o trem) ou enfrentavam as estradas ou ficavam em suas roças açoitadas pela seca, e lá vinham, abastecidos de sonhos e suas comidas típicas, pesadas, fortes, que davam a “sustância” necessária para as horas de viagem.

Com a diminuição do valor cobrado das passagens aéreas a popularização do avião aumentou, induzido pelo conforto, rapidez, e um certo “glamour” (também fui pego pela “gripe aérea”) as pessoas começaram a discriminar os ônibus, porém convenhamos, apesar de tudo isso, vocês não acham chato, comprar as passagens antecipadas (e se acontece algum imprevisto, vai trocar o dia para você escutar o blá-blá-blá), o famoso chek-in, a burocracia antes do embarque (necessários óbvio, mas porque não melhorar???), os atrasos (falta de visibilidade, falta de teto, abastecimento, chuva, o carregamento das malas, etc.), o desconforto dos aeroportos (tente ficar mais de duas horas em uma daquelas cadeiras), aí quando você consegue embarcar encontra aquela geladeira (literalmente) dentro da aeronave, as pessoas tentando disfarçar o medo (eu inclusive) com aquele sorriso sem vergonha, a tal formalidade, sentam ao seu lado como você estivesse com uma doença letal, as aeromoças sempre gentis (quando não estão com TPM) pedindo para trocar de lugar porque tem uma família que quer ir junta, a decolagem, o pouso, e quando você acha que deu tudo certo, cadê as malas??? É as malas que você jura que viu embarcando no avião. Nessa hora diga adeus as suas férias.

Viajar de ônibus é uma farra, ainda na rodoviária as pessoas se identificam instantaneamente, antes do embarque já sabem quase tudo da vida da outra, como a maioria vai para o mesmo destino ficam perguntando (como tivessem a obrigação de saber) do fulano da Mariazinha, de cicrano do seu Zé, da Joaninha, do Sebastião, e vários outros nomes estranhos que fica impossível escrever sem estar com a identidade do indivíduo na mão, dentro do “busão” mal ele começa andar e a comida já rola solta de uma poltrona na outra do início ao fim do ônibus, o banheiro vira um entra e sai (eu acredito que devem ter um “tesão” em mijar em um banheiro de coletivo ou por tentar acertar o alvo com o mesmo em movimento), as poltronas viram camas (na marra) com direito a toalhas ou lençóis pendurados para tornar privativo aquele lugar durante a noite, crianças que resolvem correr pelo corredor, as pessoas queixando da viagem que mal começou, nas paradas (cada duas ou três horas de quinze minutos ou mais dependendo do local) saem e tentam comer ou fazer o que pretendem em tempo recorde, uma loucura.

A noite torna-se um festival de cobertores, celulares com músicas variadas, rádios, televisão portátil, criança chorando, o cheiro do banheiro, ronco de um lado ronco de outro, risadas das mais empolgadas, uns gemidos que vem das cabines improvisadas, você acaba dormindo de cansaço. Claro que durante o trajeto você acaba se fartando de visualizar paisagens bonitas e belas que sempre que possível devem ser registradas (no meu caso sou “vacinado” minha máquina está sempre comigo), aquele infinito de terra, mato, serras, que nós costumados a ver sempre asfalto e edifícios ou quando viajamos por São Paulo um município colado em outro ficamos impressionados com o tamanho do nosso Brasil, é fascinante. Escrevendo isso fico imaginando vocês lendo, rindo e se divertindo, tem aqueles que discordarão ou confirmarão outros (para os que nunca andaram) impressionados que se tinham alguma pretensão e/ou desistiram, não importa, o que quis descrever aqui, é mais ou menos (mais pra mais) do que acontece em uma dessas viagens interestaduais entre o nordeste e o sudeste, uma dessas viagens que você não tem a pressa de chegar.

Onde o principal é aproveitar cada momento de interação, sociabilização, a busca de histórias, de uma cultura nova, da informalidade, de conhecer outras cidades durante as paradas, tudo isso sem querer chegar ao seu destino, curtir sem pressa, deixar as horas passarem despreocupadas, esquecer do dia que é hoje, e quando o ônibus chegar ao seu destino, seja o estado que for, encontrar as suas malas, despedir-se de todos com abraços apertados, já com saudades, com lágrimas nos olhos, sabendo que dificilmente os encontrará novamente, e chorar mais um pouco ao encontrar o seu parente que louco de ansiedade não via a hora de você chegar “afinal ele ainda está no pique do time is Money”, e assim você deixa o tempo correr sem pressa de voltar, apenas levado pela preguiça da viagem, que terá que fazer de novo, só que no caminho inverso. Como é bom viajar de ônibus.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 31/05/2009
Reeditado em 01/06/2009
Código do texto: T1625605
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