Namoro na praça
Numa cidadezinha qualquer, dentro dos quatro pontos cardeais do Brasil tão grande e amado – terra privilegiada por Deus, sem vulcões, sem tufões, sem terremotos, sem tsunamis, sem nevascas e avalanches (secas e enchentes à parte!) – dois velhinhos caminhavam como sempre, de mãos dadas. Ele, de peito aprumado, barriga plana, cabeça erguida, vigilante, firmava os passos numa valente bengala de pau-d’arco. Os olhos atentos buscavam, na pequena distância - sem baixar sequer um grau na sua postura altiva – os defeitos no calçamento. Gentil e preocupado, avisava a claudicante companheira: não me vá tropeçar nessa pedra solta, presta atenção onde pisa...
Ela, feliz, aproveitava o calor da mão tão carinhosa com que a conduzia e obedecia, desvanecida com tanto zelo.
Chegaram à praça enfrente da igreja, procuraram e acharam um banco e, entre pequenos gemidos e estalar de juntas, sentaram-se.
Ela volteou a cabecinha branca pela praça vazia e, fixando o negrume do céu, cravejado de estrelas, disse, apontando com o indicador nodoso e trêmulo:
– Olha, meu amor, um balão! – Um adjetivo carinhoso ela usava sempre: meu amor, meu querido e, principalmente, meu anjo.
Ele segurando ainda, com carinho a mão que repousava em seu joelho, seguiu, interessado, a direção que ela apontava. De fato, estava bem acima das copas das árvores, um belo balão colorido, enfunado pela fumaça, perfeito em sua forma redonda, mas já apagado.
– Que lindo! – Ele disse e completou suspiroso – Ai! Quantos desses eu soltei! Como subiam velozes, brilhando, buscando as alturas!
– Sim, ela retrucou, romântica, que altura nós dois alcançamos, como flutuamos neste céu imenso da vida...
Estavam os dois assim namorando, tão aconchegadinhos, quando começaram a ouvir vozes exaltadas:
– Ele vai cair na rua!
– Não, não, vai cair na praça! Vamo pegá inteirinho e soltá de novo!
– Isso mesmo!
Mais gritarias vindas das outras esquinas:
– Que baita! Ele é nosso! Ninguém tasca! Ninguém bate!
Com as mãos cheias de pedras e paus, todos responderam:
– Ninguém tasca! Ninguém tasca!
A turma de cá se encontrou com a turma de lá, que se juntou com a turba das outras esquinas e entrou na praça aos berros:
– Ninguém tasca! Ninguém tasca!
O velhinho protegeu a velhinha entre os braços e, de bengala em riste, enfrentou o atropelo.
Do outro lado de lá da rua, chegou a turma do “deixa disso”, formada pelos moradores da praça.
Ao ver o forrobodó, um homem que havia comprado um pão, disse para uma ardente espectadora:
– A senhora segura aí esse pãozinho que eu vou ali e já volto - e se meteu no angu feito de braços e pernas, pedras e paus.
O velhinho distribuía valentes bengaladas, enquanto escondia a sua amada de baixo do banco de ferro.
Do balão, restou o aro da boca escancarada, queimada e ainda disputada como troféu pelos violentos colecionadores.
Terminado o entrevero o homem, lanhado, encalombado, aquele que saiu da padaria no ápice da pancadaria, chegou para a mulher e disse:
– A senhora me faz o favor de me dar o meu pãozinho?
Assustada com o estado lamentável dele, perguntou:
– Mor de que foi a briga?
Sorrindo, meio encabulado, ele respondeu:
- Não sei não senhora, mas que tava boa, ah! Isso tava!
Agora, para a velhinha sair de baixo do banco, com todo o desespero do velhinho, seria preciso uma crônica à parte...