AS MÃOS

Dizem que certo dia, enquanto pensava na vida, Deus olhou as próprias mãos e, apesar da onisciência, surpreendeu-se. Percebeu que detinha em seu poder o instrumento necessário para desenvolver todos os projetos que há anos, e bota anos nisso, vinha acumulando na cabeça. Decidido, Ele juntou um punhado de barro, suas idéias e, com as mãos, moldou a criação.

Desde então, as mãos tornaram-se as ferramentas que propiciaram ao Homem - dito "a imagem e semelhança" - o domínio sobre a Terra. A mão colheu a primeira fruta, esfregou o primeiro graveto e, curiosa, queimou-se na primeira fogueira. Anos mais tarde, por conta da mesma curiosidade, escorregou para aonde não devia e cá estamos: seis bilhões de vidas.

Foi ela a autora dos primeiros desenhos, construiu as primeiras cabanas e cunhou as primeiras moedas (e é bem provável que esteja arrependida desta última). Também já foi protagonista em muitas histórias, reais ou ficcionais, não importa. Foi em seus dedos que anéis laçaram amores; controlando canetas assinaram tratados; com pulso firme bateram martelos e deram regalos.

Porém, como são conduzidas por seus donos, as mãos sempre apresentaram dicotomias. Podem - dependendo puramente do momento e da vontade - quebrar e consertar; dar carinho ou maltratar; levantar e, logo em seguida, derrubar. E, com o tempo, também aprenderam a manipular. Assim, deram ao verbo, que é natural das mãos, outros sentidos e conseguiram, enfim, guiar multidões com um simples ligar e desligar de botões.

Sem contar o poder de comunicar e de, assim, registrar com as mãos a história da humanidade. Escrevendo, as velhas mãos deixaram seus legados às futuras mãozinhas. E o caminho traçado por elas através dos tempos, e isso é indiscutível, dependeu, quase sempre, de seus desejos. A escolha do que fazer com as mãos, na maioria das vezes, é de cada um. Se você quiser, pode, apenas, entregar a elas uma chave. Pois, dessa forma, suas mãos poderão abrir as portas que outras construíram. E, passando pelo vão dessas portas, você poderá olhar para trás e entender que elas estão praticando um eterno voltar. Um retorno ao objetivo primordial das mãos que é, simplesmente, criar.