No cinema dos ciganos

No cinema dos ciganos

A minha primeira experiência de ir a uma sala de cinema, ocorreu na cidade m que nasci, quando tinha 8 anos, mais ou menos e, foi marcante, não exatamente pelos filmes que vi, mas, em razão das circunstâncias envolvidas.

Na época, era praxe que todo ano, em meados de setembro chegasse à cidade uma espécie de cinema volante, de propriedade de um grupo de ciganos do sul.

Vinham, se instalavam suas barracas na lateral da parte de baixo da Praça da Matriz e, na parte de cima, armavam uma barra de lona muito grande e adaptada, onde instalavam a sala do cinema, com tudo que um cinema pode ter direito, descontadas as proporções e condições: carrinho de pipoca, cartazes, bilheteria, entrada, projetor, lanchonete, fileiras de cadeiras e, lá na parede de lona do fundo, a tela de projeção.

Os cartazes, colados em madeirite, ficavam numa fileira, diante da bilheteria e, com a programação semanal, pra acender a imaginação e os desejos da molecada interiorana.

A bilheteria se constituía num toldo enrolado, que deixava metade da parede de lona aberta. A lanchonete era igual. Lá, tinha o básico para vender; guaraná, coca-cola e crush em garrafa (numa tina cheia de palha de arroz e gelo) e, claro, pipoca.

As cadeiras eram de ferro e, dispostas em duas fileiras, repartidas a partir do caixotão de madeira, onde ficava montado o projetor.

A tela de projeção era apenas uma área de pintado de branco, sobre a lona do fundo da imensa tenda.

Durante o dia, a molecada sempre passava em frente à tenda, a pretexto de conferir a programação e pegar informações sobre o filme com a bilheteira - uma ciganinha linda, dos olhos e cabelos negros, que enfeitiçava todo mundo (os ciganos mais velhos, ruins no português e muito espertos, encarregavam a ciganinha de cuidar daquela mistura de bilheteria e lanchonete).

Àquela altura do campeonato, já havia na cidade umas 20 televisões, duas das quais, em cores - uma ficava na casa do Adalberto farmacêutico e, outra, na casa de meu tio Antônio, mas, nossa turma queria ter a experiência única e especial de uma sala de cinema, ainda que fosse a sala de cinema dos ciganos.

Os filmes, eram, em geral, antigos e, não eram lá grande coisa, mas, a gente nem tinha idéia disso. Assistíamos a "Dolar Furado", "Django" e "Maciste nel valle del rei" - de filme brasileiro, só os Mazzaropi do tempo da cinédia - como se estivéssemos assistindo aos melhores filmes de todos os tempos ( embora os fãs de faroeste spaghetti declinem os dois primeiros, ainda hoje, como filmaços!).

Até hoje, ainda me lembro da expressão irônica do caubói interpretado por Giuliano Gemma e, a cena impressionante, de Franco Nero, arrastando pela rua de um povoado perdido, o caixão, onde guardava sua arma letal - mais spaghetti que isso, impossível.

Quando chegava a noitinha, íamos nos amontoando na frente do cinema, de olho na bilheteria. Depois de um tempo, anunciavam que a sessão ia começar. Todo mundo entrava e as conversas e estripulias iam morrendo. De repente, as luzes se apagavam e, vinha aquele frio na barriga. Depois de algum tempo, vinha o "jornalzinho" que eram uns desenhos que exibiam antes do filme principal - Popeye, geralmente. Depois, entrava o filme. E nossa atenção lá, mergulhada na história, nas cenas e falas. Algum tempo depois, a imagem sumia da tela - era o rolo de filme que tinha acabado.

Os ciganos acendiam as luzes, então, para colocar um outro, no projetor. Algazarra, brincadeiras, assovios e gritos. Minutos depois, as luzes se apagavam de novo e, retornávamos aos devaneios da história.

Quando o filme chegava ao fim, saímos íamos embora pra casa em turmas, imitando os heróis das telas, as cenas mais importantes, ou seja, violentas ou engraçadas.

Depois dessa experiência, vieram as primeiras sessões de cinema em Goiânia (o primeiro filme que assisti foi "Menino da Porteira", no Cine Campinas, na companhia de um primo, que tinha Sérgio Reis, que tinha virado cantor sertanejo, no pepel principal), depois "Os trapalhões no Planalto dos macacos", numa sessão no Cine Frida, no centro da cidade, na qual compareceram ao vivo - incrível! - Dedé, Mussum e Zacarias, para fazer uns esquetes rápidos de humor e promover o filme, até que, vi o filme que me fez sentir que não era mais um menino - "Os embalos de sábado à noite" , filmaço que assisti muitas vezes seguidas (e, que, ainda pego na locadora, de vez em quando, pra ver)...

Mas, a lembrança das sessões do cinema dos ciganos é inesquecível - até hoje, me vejo sentado numa das fileiras da frente da tenda, imóvel, com o olho grudado na tela de lona, que tremia levemente, embalada pela brisa noturna...