Eu não quero mais cachorro

Antes de começar a contar a história justificando o porquê do título, preciso esclarecer que não tenho nada contra os cachorros ou qualquer outro animal, a SOCIEDADE PROTETORA DOS ANIMAIS que me perdoem, mas eu não quero mais um cachorro ou qualquer outro animal.

Tudo começou quando eu ainda tinha dez anos, meus pais inventaram de criar um cachorro para ser o animalzinho de estimação da casa, no início nem me preocupei muito, afinal toda criança gosta de cachorro (será?), durante a semana chegava da escola, almoçava e depois da lição pronta corria para o quintal pra brincar com ele, e ali permanecia até a minha mãe chamar.

Nos finais de semana ficava o dia todo, esquecia até de almoçar, (se a mãe não chama), televisão, vídeo game, jogar bola, nada disso interessava mais, quando os colegas de escola viam em casa, a brincadeira desenvolvia em torno do “Dic” (nome do cãozinho), a bagunça era geral, de longe minha mãe observava tudo, toda feliz vendo o seu filho se divertir.

E assim continuou durante muito tempo, a afinidade entre o “Dic” e eu era tanta que não conseguia pensar em separar dele, (sabe como é criança né?), tentei levá-lo para a escola (o que não funcionou claro), na casa dos amigos acompanhava-me (o que incomodava as suas mães), jogar bola era difícil com “ele” por perto era a pelota rolar e pronto vinha correndo com a linguona de fora e... acabava a partida, pega-pega e lá estava “ele” no meio atrapalhando a brincadeira, esconde-esconde então, denunciava todos latindo nos nossos esconderijos.

Comecei a perceber que os meus colegas já não vinham visitar-me mais e nem chamavam para ir as suas casas, minha mãe até pensou em doar o “Dic”, o que da parte dela seria um alívio, aquele cachorrinho pequenininho e “bonitinho” estava crescendo, e também estava começando a incomodar dentro de casa, além dos gastos com alimentação e vacinas, porém sempre que o meu pai falava em desfazê-lo, abria um berreiro e eles acabavam esquecendo-se da ideia.

Só que o cachorro também começou a me incomodar, já não tinha mais liberdade, quando saia, ficava latindo desesperadamente, não só a minha mãe, mas todos os vizinhos reclamavam do barulho (eles estavam com a razão), quando dava para levá-lo, minha mãe pedia calmamente: “Leva se não eu vou soltar na rua”. Comida, banho, vacina, sujeira do cachorro, todas essas tarefas eram de minha responsabilidade, já não tinha mais graça, todos os dias, depois de chegar da escola, antes de sair com os colegas, antes de brincar, antes de assistir televisão, antes mesmo até de dormir, o meu saco estava estourando.

Infeliz ideia quando não deixei meus pais se desfazer do cãozinho, quem sabe agora ele poderia estar animando outro garotinho solitário (que não tem nada o que fazer), que o levasse para passear todos os dias com aquele sorriso no rosto, que tivesse uma empregada para limpar as suas sujeiras, dar-lhe comida e água, que os pais fossem compreensíveis quando o animalzinho de estimação do filhinho bagunçasse toda a casa, ah como seria bom ver a alegria do menino com o cachorrinho no colo lambendo o seu rosto.

A cada ano que passava maior ele ficava não parava mais, os meus namorinhos em casa eram sempre atrapalhados por ele ou pelos gritos de minha mãe, e lá ia eu novamente limpar algo que já tinha feito há alguns minutos atrás, conforme ia crescendo mais despesas ia causando, e menor ficava a minha “mesada” (dinheiro que os pais dão aos filhos no fim de cada mês). Cinema, shopping, futebol, festas? A cada dia tornava mais escasso, meus colegas nem me convidavam mais, na segunda-feira ficava eu ouvindo o que eles tinham feito de bom, no final de semana.

O que no início trouxera muita alegria, agora só trazia tristeza, tudo bem que o cachorro não tem culpa de nada, em partes, o que era feito constantemente, como passeios, brincadeiras com bolas, rolar pela grama, já não dava mais prazer. O coitado do cãozinho sentia que já não havia tanta afinidade entre nós, aos poucos foi se reservando nos cantos, com aquele olhar de “o que, que eu fiz?”, isso também já não estava me fazendo bem, quando criança ele era a alegria da casa, porque abandoná-lo agora? Decidi voltar a demonstrar afetividade com ele, novamente lá estava com a língua de fora, abanando o rabo, pulando por todos os lados, comecei a conciliar as minhas tarefas com as minhas obrigações e num ato de loucura trouxe para casa um “amiguinho” para ele, para não ficar tão só quando era necessário eu sair.

Já com os seus doze anos, sem o pique de antes começava a mostrar o cansaço, as brincadeiras diminuíam, os passeios eram mais curtos, irritava-se mais com o seu “amigo”, que ainda estava na fase de crescimento, aos poucos foi se isolando como procurasse paz, para aproveitar os últimos dias, e sem saber eu começava a sentir saudades daquele “amiguinho” de infância que durante muito tempo fez parte intensamente da minha vida. E ao falecer deixou apenas as lembranças das suas bagunças, dos seus latidos, do seu olhar agradecendo quando ia lhe dar comida, ou quando exausto daquele passeio deitava-se no tapete de casa e lá permanecia horas recuperando o fôlego.

Hoje não penso mais em ter um cachorro, tanto é que logo em seguida desfiz do outro, entregando ao colega que necessitava de um cão em sua casa, muitos dizem ser “eles” os melhores amigos do homem, se realmente são ou não, não sei responder, no entanto nos ajudam a desestressar do dia-a-dia, claro que algumas vezes gritamos com “eles”, invertendo a irracionalidade, que no caso deveriam ser deles.

Há um bom período que não tenho animais de estimação, mesmo porque a falta de tempo, de verba, e do espaço suficiente, não permitem, contudo quem sabe um dia desses eu possa a vir mudar de ideia.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 13/06/2009
Código do texto: T1647107
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