Festinha de aniversário de criança

Festas de aniversário de criança são lugares interessantes, principalmente para exercitarmos certas estratégias de sobrevivência paterna e observarmos comportamentos e práticas sociais no mínimo curiosos (no mais das vezes ditados por uma justaposição daquilo que é conveniente do ponto de vista da etiqueta, com aquilo que reflete o interior das pessoas naquela situação em particular).

Falando assim fica meio vago ou teórico, o que no fim das contas quer dizer a mesma coisa. Por isso acho que vale a pena avaliarmos algumas dessas estratégias, comportamentos e práticas para darmos substância a nossa afirmação.

Comecemos pela recepção. Ao chegarmos, os pais da criança aniversariante nos estendem as mãos com um olhar afetuoso nos dizendo que é muito bom termos aparecido, e nós respondemos, de forma quase efusiva, que o prazer é inteiramente nosso. Na realidade, se atentarmos ao olhar dos pais que nos recepcionam enxergaremos a seguinte mensagem: _ Putz, mais gente! Onde é que vou enfiar este pessoal? Será que tem refri pra todo mundo? Esse pai tem cara de biriteiro, vai acabar com minha Cintra! A contrapartida é semelhante, pois que aquele cumprimento dos pais convidados, bastante efusivo (lembram?), quer dizer mais ou menos a seguinte: _ Ó Senhor, que fizemos para merecer tamanho castigo? É a quarta festinha este mês! Será que o animador vai me botar de peruca ou me fazer descer até o chão hoje? Cacetada!

Em seguida temos a escolha do lugar em que iremos nos acomodar. Chegar com um atraso de mais de uma hora costuma ser uma vantagem, já que os familiares e os convidados mais incautos ocuparam as mesas próximas à animação e ao som (que costuma ser estridente). Desta maneira, restam as mesas próximas à cozinha, ao banheiro e a saída. As mesas próximas à cozinha têm a vantagem de sempre sermos servidos primeiro (geralmente os convidados mais gordinhos costumam discretamente se achegar a estes oásis de salgadinhos, guaraná e cerveja quente), porém nem três dias de banho tiram o odor de fritura do cabelo. As acomodações nos arredores dos sanitários costumam provocar uma certa confusão sensorial, visto a diversidade de atividades excretórias praticadas por ali. Por um lado é bom, na medida em que dada a ânsia que brota de nossas entranhas, declinamos das guloseimas que nos são servidas, contribuindo assim para a redução das nossas taxas de colesterol. Por fim, as cercanias da saída soam como as acomodações mais interessantes para nos estabelecermos, visto que após o bolo (falaremos mais deste rito ao final), o relógio biológico da insatisfação leva a uma debandada geral da festinha. O autor (pai de três e assíduo freqüentador de festinhas) recomenda, apesar do garçom só aparecer com restos de salgado e bebidas em ponto de ebulição.

A interação nestas situações também causa desconforto, isto porque as crianças se conhecem, mais os pais (as mães são outra história) não. Crianças têm sempre coisas em comum: são barulhentas, gostam de pipoca, riem de coisas sem graça e fazem côco em momentos e lugares inadequados. Pais quase nunca têm coisas em comum: um gosta de beber, o outro se converteu a Igreja Sagrada do Pai Celestial de Aruanda (que proíbe a ingestão de álcool, sexo durante o ramadã e consulta de preto-velho na sexta-feira da paixão); um gosta de futebol, o outro é vascaíno; um deseja a mulher do próximo, o outro deseja o marido (David Latterman diria: What?); um fuma, o outro tem câncer. Enfim, a forma mais segura de interação entre pais em festinhas de aniversário é falando da Receita Federal, a única unanimidade. Controle apenas os palavrões.

Como eu escrevi, as mães são outra história. Mulheres tem sempre algo em comum: são barulhentas, comem qualquer porcaria para agradar a dona da festa, riem de coisas sem graça e menstruam em momentos e lugares inadequados. Proliferam assuntos, mais o desfecho é sempre o mesmo: a culpa é dos maridos (o graal da interação feminina).

O pior das festinhas na verdade atende pelo décimo quarto nome da besta bíblica: animadores. Nunca sabemos o que esperar destas criaturas treinadas na arte de provocar constrangimento. Tanto podem pedir uma dentadura durante uma gincana improvisada, como podem pedir para os pais dançarem ao som de Freak Le Boom Boom, da cantora Gretchen. Geralmente são jovens, carentes e com baixa expectativa de vida, visto que não se importam em deliberadamente nos provocar o desejo de matá-los. As mães, seres abnegados, participam com afinco das atividades propostas: dançam, rebolam, vestem fantasias e pilotam carrinhos de rolimã. Os pais, seres abnegados, a tudo se negam: o quadril é duro, lembram do pino no joelho que não lhe permite abaixar, são alérgicos ao pompom da fantasia e apesar de, com sinceridade juvenil, quererem pilotar o carrinho de rolimã, a hemorróidas não permitem.

Chega então a hora do parabéns. O clímax da festinha, pois a criança que comemora mais uma tenra primavera será o centro das atenções. As pessoas se aglomeram em torno da mesa do bolo com uma postura de alívio, as crianças se posicionam de forma a atacar as balinhas do entorno, e a criança aniversariante chora em profusão, intimidada pelos olhares dos presentes. Contornada as lágrimas pueris vem o parabéns, na verdade tem início o equivalente nos playgrounds das torturas perpetradas em Abu Ghraib: uma seleta lista de musiquinhas de aniversário, que vão do clássico “parabéns pra você, nesta data querida”, passando pelo “hoje vai ter uma festa”, até o não menos clássico “com quem será?”, sem citar as inúmeras outras evocações do cancioneiro popular, cantadas por crianças histriônicas e familiares e convidados bêbados, passam a nos atormentar por cerca de vinte a vinte e cinco minutos (fato apenas aliviado caso você seja um dos convidados bêbados), findo os quais todos retornam as suas mesas esperando o bolo e os docinhos. Os pais prevenidos levam suas próprias sacolinhas para acondicionar o farnel (bolo, resto de salgadinhos, torta salgada e saquinhos surpresa de doces) e os inúmeros brindes de R$ 1,99 distribuídos. Os menos prevenidos, ou aqueles que querem passar por educados, após insistência dos donos da festa, improvisam com pratinhos descartáveis e guardanapos uma maneira de carregar os despojos da festa, garantindo assim, para o dia seguinte, o petisco requentado a ser servido durante o Fantástico.

E por fim, a despedida tão sonhada. Após os cumprimentos afetuosos e não menos efusivos, reputo que até mais efusivos, todos se recolhem, cada um com a sua função (limpar o salão ou a bunda das crianças), com um mesmo pensamento na cabeça: _ Cacetada, que bom que acabou!