Coragem meus filhos, coragem !

Coragem meu filhos, coragem.

O bom filho a casa torna e quem bebe dessa água sempre volta. Você até consegue sair de sua terra, mas sua terra não consegue sair de você.

Ditados populares. Ah, essa sabedoria cabocla continua provando que por mais que busquemos o desconhecido, não devemos esquecer de quem conhecemos bem, nem de quem nos conhece também. Não devemos ter medo, nem vergonha de voltar; nem de confessar um amor intimamente declarado.

Se tudo o que buscamos na vida fosse tão fácil, num estalar de dedos ou passe de mágica não existiriam grandes líderes, não existiriam grandes artistas, grandes estadistas, nem grandes esportistas. Se todos nós, ao invés de ousar sair e buscar o novo, de seguir o sonho, ir além, ficássemos parados, estáticos e cheios de medo do inesperado, não haveria grandes descobertas, grandes criações, nem novas soluções para antigos problemas.

Nem sempre a história revela prosperidade e felicidade.

Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, o grande lutador, criador da Capoeira Regional, saiu da Bahia, pois acreditava que ali não tinha o merecido reconhecimento e partiu para Goiânia, iludido por alguém que lhe prometeu vantagens irrealizáveis (até cadeira em universidade para um semi-analfabeto). E Bimba foi levando consigo suas várias mulheres e vários apadrinhados. Não resistiu e morreu de tristeza por sair de sua terra natal. Como descendente de escravos, que era, foi consumido pelo banzo; não comia, não bebia, sentava-se a beira da cama e parecia longe. Estava em Goiás, mas só podia viver na Bahia.

Mas existem pessoas que seguem seu destino, partem e um dia voltam para a terra querida, experimentando novamente as delícias dos cheiros e sabores que num dia foram deixados para trás.

Na cidade de Goiás (antes chamada de Villa Boa de Goiás), antiga capital do Estado, no final do século XIX, viveu Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida como Cora Coralina. Cora foi uma poetisa que sem conhecer regras gramaticais, criou versos que encantavam os leitores. Ela era doceira de profissão, e dizem que os doces que fazia eram famosos naquela região. Cora Coralina vivia longe do agito da civilização.

Quando se casou, acompanhou o marido e teve de mudar-se de seu até então, único recanto, passou pelo interior paulista e posteriormente foi morar na capital. Sem esquecer de suas origens caboclas, continuou fazendo seus doces, salgados, lingüiças e outras delícias da tradição goiana; e claro, continuou escrevendo; e sua poesia foi se tornando mais conhecida para todo o Brasil.

Com a morte do marido, voltou ao seu Estado de origem, o belo Estado de Goiás, onde completou sua existência. Teve histórias para contar, mas garanto que nenhum arrependimento trouxe na bagagem, apenas a grande experiência, que acompanhou o talento poético, que a deixará viva em nossos corações, mentes e almas.

O medo do desconhecido engessa nossas virtudes, barra nossos rompantes, nos deixa tímidos, frios, quietos, quase pascais.

Bimba saiu, sofreu e morreu pobre. Pobre lutador vencido pelo tempo e pela tristeza. E quando voltou para Bahia, foi para ser enterrado no lugar certo, para descansar em paz. Só que como toda conquista póstuma, se Mestre Bimba não tivesse saído, talvez a arte marcial brasileira por ele criada não teria sido tão difundida, e talvez não tivesse tido a projeção nacional, nem conquistado as terras estrangeiras, proporcionando o inacreditável: nós, brasileiros, vermos uma roda de capoeira na Dinamarca, cheia de dinamarqueses jogando capoeira e cantando as músicas em português.

Cora saiu, viu, viveu e voltou. Voltou para criar mais um pouco, para ser mais Cora, para mexer suas poesias, assim como apurava seus doces, colocando nelas toda a sabedoria que acumulou nas suas andanças, durante a ausência de sua terra, toda sua saudade, toda a riqueza que ela tinha e sabia como ter.

A vida é assim, quem tem medo não vive, ou vive de joelhos; enquanto quem tem coragem, vive plenamente, alça vôos mais altos, suporta a dor e vai...mas volta quando percebe que é chegada a hora.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 17/06/2009
Código do texto: T1652977
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