O "louco e bêbado"

Ás oito em ponto saía de sua casa para ir trabalhar, atrasado, com os olhos vermelhos, cambaleando, mal arrumado e a passos lentos, os vizinhos observavam este ritual desde que ele chegou à rua, vindo do interior paulista para a capital, muito educado cumprimentava a todos, e no seu ritmo prosseguia para a empresa, onde era o responsável pelo setor de propaganda e marketing, lá como um ator se transforma sobre um palco, ele se transformava, durante o expediente avaliava diversos esboços para comerciais, trazidos pelos seus subordinados, não se contentava com pouco, sempre queria mais, e sabia que podia confiar neles.

Bom aluno, sempre se destacou na escola e na faculdade, o que lhe ajudou a entrar rapidamente no mercado de trabalho, ainda cursando, conseguiu o seu primeiro estágio, e o seu empenho garantiu o reconhecimento e a efetivação na empresa, ao terminar a faculdade, teve o seu primeiro aumento de salário, no trabalho sobressaia em relação aos outros, o que em pouco tempo lhe prestigiaram com o cargo de subgerente no setor de propaganda e marketing, ali permaneceu até quando surgiu a oportunidade de assumir o setor na filial da empresa na capital.

Em seu trabalho era um camaleão, questionador, “pai”, amigo, conselheiro, procurava tirar de cada um o seu melhor, não maltratava ninguém, todos o conhecia e reconhecia o seu temperamento, no fundo tinham a certeza que mais do que todos, ele queria o bem de cada um e o da empresa, nas seis horas que se conservava ali dentro se entregava de corpo e alma ao seu trabalho, o que lhe consumia toda a sua energia.

Por ter hábitos noturnos, achava que as suas inspirações eram melhores, trocava o dia pela noite, ao chegar a casa por volta das quatro da tarde, tomava um banho e ia dormir ao som de uma boa música, uma de suas paixões, além do seu trabalho, dos livros, filmes, e a sua vizinha, que por ela se apaixonou a primeira vista, acordava lá pela uma da manhã, tomava o seu “café da manhã”, revisava os seus e-mails, escrevia algumas poesias dedicadas a sua amada secreta, “onde passava horas” (esqueci desse detalhe também gostava de escrever e sonhava em ter um livro), fazia os seus exercícios, lia as primeiras notícias do dia e quando percebia já era dia claro, tomava um banho para despertar, comia alguma coisa e saía para trabalhar.

Aos trinta anos, não era bonito, mas “simpático”, sozinho, longe da família, e até com alguns sintomas de depressão, pouco tinha namorado, os seus relacionamentos não duravam muito tempo, tinha poucos colegas fora do seu serviço, e com os seus vizinhos resumia-se a bom dia e boa tarde, tudo isso por dois motivos: era extremamente compenetrado em seu trabalho e os seus hábitos noturnos, o que impossibilitava qualquer relação e chamava a atenção de todos. O seu jeito, descrito logo nas primeiras linhas do texto, “incomodava” os seus vizinhos, o boato pela rua dizia que ele era "LOUCO E BÊBADO", por exatamente andar daquele modo; discreto, ninguém realmente sabia o que ele fazia na vida.

A sua simplicidade e a rotina não permitia que outros soubessem da sua profissão e muito menos do “salário” que recebia, na rua era considerado um Zé Ninguém, que achavam ter a mamata de ser cuidado pelos pais, pois não acreditavam que uma pessoa naquele “estado” pudesse ter um emprego, a sua amada, que ele cumprimentava sempre com um bom dia diferenciado até quis ter alguma aproximação, logo reprimido por seus pais. Guardava dinheiro para comprar um apartamento na cidade natal e um sítio, o seu sonho de consumo.

Até tentou algumas investidas com a sua amada, buscou melhorar o seu modo de vestir, aos sábados e domingos, passava o dia na rua, procurou dormir no horário certo, no entanto nada disso convencia os seus vizinhos e os pais do seu “amor”, o que o tornava triste e solitário, voltou a fazer tudo de novo, porém já não era o mesmo no trabalho, o que causou estranheza com os seus colegas, abatido, só “confirmava” a fofoca de ser um bêbado e louco.

E quase “confirmou-se” de verdade, quando se entregou a bebida, contudo num dia acordou e entendeu que precisava mudar, e decidido “armou um plano”, para redirecionar em 180° a sua vida, enviou um bilhete a sua “querida”, revelando o seu desejo por ela, que em seguida foi correspondido, sabia agora que ela também o amava, na empresa onde trabalhava fez um acordo com o seu patrão, que não entendeu nada, e lhe ofereceu um belo aumento, recusado prontamente, comprou um carro zero, o sítio “quase” dos seus sonhos, combinou com a sua vizinha o dia da fuga, e fugiu do dia para a noite.

Em sua rua, muitos ficaram chocados com a atitude dos dois, ninguém esperava isso, os pais dela não se conformavam da sua filha querida ter fugido com um “vagabundo”. Qual futuro minha filhinha terá com ele? A mãe pavorosa chorava, esse “bafafá” durou por muito tempo.

Felizes, casaram com uma baita festa promovida pelos pais dele, ela surpresa e assustada ao mesmo tempo, queria entender tudo aquilo, na lua-de-mel viajaram para a Europa, mas precisamente para a Itália, feliz, ela nem lembrava mais dos seus pais que ficaram na capital, muito menos dos seus vizinhos que durante muito tempo fizeram ela acreditar, que o “cara” não valia nada, ele, muito mais feliz ainda, sorria para o mundo ver, enquanto isso na capital os seus vizinhos...

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 22/06/2009
Código do texto: T1660868
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