Na primeira vez foi assim
Na primeira vez foi assim: eu recostado na parede da sala e você servindo uma pequena xícara de café. Mãos dispostas em seu jeans azul, ainda envoltas pelos curativos feitos pela enfermaria do hospital da cidade. Manteve-se calado, olhos fixados nos quadros pendurados na sua própria parede verde, como se lhe fossem estranhos. Talvez fossem. Jamais superei o medo do silêncio, algumas pessoas conservam medo de escuridão, outras de altura...eu, de silêncio:
-Onde está você?
-Estou aqui. – Não hesitou muito a responder.
-Não. Onde realmente está você? Responda.
-Ora, estou aqui. Sentado nesta maldita poltrona azul que não combina com móvel nenhum nesta casa e estou louco de vontade de trocar por uma nova. Talvez uma listrada...
-Você não está aí!
-E você está louco! Tem falado com a Juliana? Ela era uma boa psicóloga...
-Não, outra vez não. Não estou louco, você está! Deixou-se apagar completamente, nem mesmo esboça um sorriso, não o encontro mais, nem sequer em suas próprias palavras ou olhares. Por favor, diga-me onde você foi parar. Este ser pateticamente fantasiado nem de longe é meu velho amigo Bernardo!
-Isso me parece apenas um grande exagero. Mais açúcar no café?
-Não!
-Certo, sem açúcar.
-Digo, “sim” para o açúcar.”Não” para o que você disse...
-Ah, vejamos...Não entendo.
-Bernardo, tentar resolver todos os dramas das outras pessoas nunca irá resolver os seus! Lembre-se de “O advogado do diabo”, por exemplo.
-Você me deixou ainda mais confuso com esta referência...
-Observe-se!- Ordenei, após tê-lo conduzido até a frente do espelho, segurando decididamente sua mão direita, a menos fragilizado das duas depois do incidente- Veja como este não é você.
Sentei-me na beira do mesmo sofá em que ele sentara antes, ainda um tanto aborrecido. De súbito, o imenso baque de sua mão esquerda rija atravessando a superfície do espelho e alcançando a parede verde, agora tocada pelo vermelho do sangue. Os cacos se dispersaram rapidamente pelo chão, mais rápido ainda, repousaram, e imóveis permaneceram. Ignoravam seus gritos, seu choro, sua dor. Também o superava o silêncio da sala, calando o eco de seus berros a cada instante. Perplexo como uma criança, permaneci imóvel sentado ao sofá azul. Logo abaixo, pedaços do espelho que assemelhavam-se à uma constelação de estrelas no espaço, reluzentes, reagindo com a luz.
-Quer saber, você estava certo. Aquele não era eu, este aí, sim. Este sou eu. – Disse-me, após um minuto de recomposição de sanidade.
-Me desculpe, eu apenas...
-Crianças escondem o rosto quando pensam que ninguém poderá vê-las!
Foi assim na primeira das vezes: solitário, lavei o dedo sangrento ferido por um pedaço de meu amigo que eu recolhia, espalhado em partículas, no assoalho da sala calada, minutos antes.