Mergulho no asfalto

O domingo amanheceu radiante, era primavera, eu acordei muito animada e resolvi ir à missa em um bairro distante do meu, porque assim eu aproveitava e fazia a minha caminhada.
Comecei me arrumando muito bem, vesti um conjunto jeans cheio de bordados, calcei um sapato de salto pequeno do tipo carretel e fui como sempre, pisando firme que o chão era meu e a passos largos. Cheguei no horário calculado, participei da missa e saí muito feliz com a linda homilia do padre que com sua voz de tenor e seu sotaque carregado, emprestou um toque de muito respeito ao assunto.
Voltei com meus passos firmes, passei numa padaria excelente e comprei pães, biscoitos e outras coisas, saindo de lá cheia de sacolinhas. Continuei minha jornada até chegar a uma esquina que parece mais uma praça, pois é a confluência de várias ruas, ou seja, um cruzamento, o fim de duas e o começo de outra. Resultado: um perigo e causa de muitos acidentes no pedaço. Olhei para os lados, vi que o sinal à minha esquerda estava fechado para os carros, que se dispunham no final de uma ladeira, portanto bem acima de mim, em três filas, dando-me a impressão que eles (os carros, não os donos) me olhavam e diziam: corre que vamos lhe pegar! Acelerei o passo e qual não foi a minha surpresa, quando pisei em um monte fofo de asfalto que deve ter sido colocado ali um dia antes, afundando o meu saltinho e deixando-o preso. Com a minha pressa não pude parar, o pé saiu do sapato e eu rodei, e ao rodar me senti como aqueles bonecos do carnaval do nordeste. Dancei um pouco e bati de frente, estatelada e de braços abertos no centro da rua. Ato contínuo, fiquei de pé e comecei a catar rapidamente as sacolas, quando me aparece uma alma bem intencionada, um senhor que saiu de um boteco mais à frente e, com toda a certeza, pertencente à turma da canjebrina, gritando: espera que eu vou ajudar; não se preocupe; coitada meu Deus; eu apanho tudo e não mexi na sua bolsa, blá blá blá! Tudo isso aconteceu em segundos e eu só tive tempo de pegar tudo e correr com um pé calçado e outro descalço, sem coragem de olhar para os carros, que passaram voando como se quisessem cumprir a sua promessa de me massacrar. Até hoje eu fico imaginando como aqueles motoristas riram de mim! Voltei ao asfalto e tive que fazer muita força para tirar aquele maldito saltinho de lá. O homem que continuava falando e falando, foi andando do meu lado e na porta do bar eu agradeci . Ele entrou correndo e eu ouvi: coitada da dona, ela caiu e machucou e blá blá blá.
Empreendi meu caminho de volta, abatida, cansada, humilhada, com os pães e biscoitos amassados, os braços caídos ao longo do corpo e com as sacolas quase arrastando no chão, que naquele momento não parecia mais ser meu, um buraco na calça e outro no joelho com sangue pra chamar mais atenção, um salto beje e o outro preto de piche e a nítida impressão que se eu olhasse para o meu ombro direito, eu iria ver um mico bem safado acocorado nele.
Cheguei à minha casa toda quebrada e falando comigo mesma que ficasse calma porque aquele era uma lindo domingo de primavera que apenas começava. Tive um ataque súbito de riso que durou um bom tempo e foi tirando os bichos de dentro de mim... e foi só.


Pássaro Feliz
Enviado por Pássaro Feliz em 26/06/2009
Reeditado em 20/10/2011
Código do texto: T1667749
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