Quatro anos perdidos

Acabaram de roubar quatro anos da minha vida, e eu simplesmente não posso fazer nada. Aqueles quatro anos de muito estudo, dedicação, descobertas e sonhos foram jogados no lixo, como se não tivessem valor. Meu diploma, conquistado com muito suor, acaba de perder o seu valor, e sem possibilidade de retorno. Até duas semanas atrás, eu tinha orgulho de dizer que era jornalista diplomada, bacharel em Comunicação. Agora, o que eu sou? Não sei a resposta, e sei menos ainda quem vai me indenizar por aqueles quatro anos que eu poderia ter investido em outra coisa se tivessem me avisado de que estava jogando meu tempo fora.

A questão do diploma vinha se arrastando há anos, talvez eu e meus colegas devêssemos ter reagido antes, feito alguma coisa enquanto havia tempo. Mas, no fundo, ninguém acreditava que se chegaria a esse ponto: a educação ser considerada totalmente dispensável.

O principal argumento dos que defendiam o fim do diploma de jornalismo era o direito de todos à liberdade de expressão. A primeira falha é que não nos expressamos apenas por meio de jornais – um ótimo exemplo é a internet, meio que uso agora para expressar minha indignação pelos quatro anos que me foram tirados. A falha maior, entretanto, é que o povo só terá realmente liberdade de expressão na medida em que tiver direito à informação de qualidade, que é o que acaba de ser tirado desta nação. Ou alguém realmente acredita que profissionais sem formação estarão melhor qualificados para mostrar o que ocorre neste país? Sem bons jornalistas, corre-se o risco de a informação apresentada se tornar cada vez mais rasa, mais superficial, mais “de qualquer jeito”. O que é ótimo, é claro, para quem quer um povo desinformado, incapaz de distinguir, por exemplo, entre em político desonesto e um corrupto.

Outro fato apresentado pelos que eram contra a formação profissional do jornalista é que há países desenvolvidos, como os Estados Unidos, nos quais o diploma não é exigido. Perfeito. Mas, até agora, não vi nenhum dos que levantaram essa questão questionarem o uso da urna eletrônica. É, a urna eletrônica ainda não é usada nos Estados Unidos, onde o sistema eleitoral é sabidamente caótico. Seria, então, o caso de jogá-la fora e retornarmos ao velho sistema de voto em papel? Claro que não, dirão todos, ou pelo menos a maioria; esse é um orgulho brasileiro, um avanço nosso em relação aos outros países. Ora, ora, mas jogar diplomas, jogar educação no lixo, isso pode, só porque nesse ponto estávamos mais avançados?

Há ainda os que argumentam que a formação dada nas faculdades de jornalismo não é tudo aquilo que deveria ser. Até concordo, porém não seria o caso de melhorá-las em vez de eliminar a exigência de formação? Também há muitas faculdades de outras áreas que não formam bem seus profissionais, basta ver, por exemplo, o grande número de formados em Direito que não são aprovados no exame da OAB. Isso quer dizer que vamos parar de exigir o diploma para o exercício da advocacia? Será que o jornalismo não foi somente a primeira vítima?

Ora, dirão novamente aqueles contrários a que os jornalistas tenham estudo (ah, tem de estudar outra coisa, talvez? Mas o quê?): jornalista não é um profissional cujo trabalho causa alterações significativas na vida de outrem. Não? E onde teve início a queda de um presidente, anos atrás, se não em denúncias na imprensa? Isso não é alterar a vida de um país, no caso para melhor? E quem levantou os escândalos de corrupção do mensalão, entre outros da história recente do país? Aliás, quem sabe a partir de agora não existam mais escândalos, pelo simples fatos de que aos poucos os “jornalistas” que começarem a informar a população não serão mais jornalistas de verdade.

Na minha humilde opinião de detentora de um diploma que agora não vale um centavo, a queda na qualidade da informação é tão perigosa quanto a censura. Vamos, informem todos, escrevam todos em jornais, falem todos de qualquer jeito e até mesmo sem saber do que estão falando, até ninguém mais saber o que é informação real e confiável ou o que é mera especulação feita por quem não sabe apurar uma notícia nem medir as conseqüências do que escreve. É o mesmo processo de desvalorização do professor: a educação não vale uma patavina, e o jornalismo idem, pois povo sem instrução e sem informação é mais fácil para os poderosos manipularem. Falando em poder, essa decisão foi boa para acabar com o suposto “quarto poder”, o dos jornalistas. Sem eles, fica tudo mais fácil...

Antes de finalizar este texto, quero mais uma vez levantar a questão: quem vai me indenizar pelos quatro anos que estudei em vão? Quem vai indenizar os milhares de colegas que investiram milhares de reais cada um para pagar uma faculdade de jornalismo? Ah, tem de pensar naqueles que não têm dinheiro para pagar uma faculdade mas querem exercer a profissão (se é que ainda é considerada uma profissão), não é? Pois é, eles poderiam fazer como eu, que estudei muito para passar no vestibular em uma universidade federal e gratuita. Aliás, não escolhi jornalismo por ser mais fácil, pois entrei com média para fazer vários outros cursos, como Odontologia , Engenharia ou Direito – qualquer um deles, visto a situação atual, teria sido uma opção bem melhor do que a minha.

Agora, porém, para alegria geral da nação, não é mais preciso estudar para ser jornalista, e quem pode garantir que esses outros diplomas também não cairão daqui a pouco?

E viva a burrice do povo!

Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 02/07/2009
Código do texto: T1677976
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