19 ESTRANGEIRISMOS

Já fui deveras intolerante com os e s t r a n g e i r i s m o s. Hoje, muito menos. Quase não mais o sou. Mesmo assim, alguém ainda me flagra, com certa distância, a pôr aspas em algum termo, ainda que aportuguesado, mas que não julgo de bom-tom no idioma de Camões. Em suma, ainda conservo esta atitude conservadora com relação à nossa língua.

Não queria saber de usar palavras, numa escrita qualquer, que não fossem lidimamente de origem lusa, mesmo sabendo que elas tiveram ascendência lá do velho latim, ou, então, do grego. Mas, por favor, longe disto, não me julguem ser um ortodoxo xenófobo. É que a gente contrai manias que nem se sabe, depois, de onde vêm.

Aí, querendo ou me chateando p a c a s, o que me aconteceu na esteira dos tempos? Caí na besteira de enfiar-me em um curso de pós-graduação e lá notei que também a universidade aderira aos modismos cosmopolitas.

Pelo menos três professores-doutores do curso me pegaram pelo pé e me deram carões homéricos porque eu não me dava bem com os estrangeirismos. Um deles foi mais além e os viu como um bem inestimável, pois, segundo o tal doutor em Linguística, o cabedal de termos estrangeiros aumenta significativamente o acervo vocabular do nosso pátrio idioma. Ora, pois não, doutor é bicho irrefutável.

Pego eu de qualquer um jornal da província, ou que seja do todo-poderoso Sudeste brasileiro, e eis que topo com notáveis colunas cujos títulos são assim: FASHION, INTERVIEW, IN OFF, IN SOCIETY. Deixo, aqui, em aberto o pequeno rol, sem pôr o conetivo, mas vocês têm todo o direito de ampliá-lo ao infinito.

Termos advindos da música, do rádio e da tevê nem se contam, como alguns que anotei: LONG PLAY, HIT PARADE, HEAVY-METAL, VIDEO-TAPE, VIDEO-CLUB, FOX-BLUE, ROCK-AND-ROLL, JAZZ, TWIST.

Claro que não vou morrer de desgosto porque, igualmente, nos esportes, a invasão de vocábulos alienígenas nos fornece uma superprodução deles, para além de gigantesca: BODYBOARD, TURF, SURF (donde vêm ‘surfar’, ‘surfação’), COOPER, HANDBALL, SKATE, VOLLEY, BASKETBALL, GOLF (alguns destes, felizmente, aportuguesados).

Na seara das marcas, dos jeans, dos tênis & Cia., dos eletrodomésticos, ah, gente besta não conta tantas marcas de nomes engrolados, e nem que seja usando calculadora. Vejam somente algumas que colhi: TRITON, CHOPPER, RICHARDS, TENIS REDLEY, SAND-KENNER, FREEZER, WALK-MAN, LEP-TOP, NOTE-BOOK.

Se vocês se bandearem para as profissões, campo da publicidade, mundo da moda, os neologismos oriundos dos estrangeirismos deságuam numa foz amazônica, de montão: ADMAN (publicitário), COPY-DESK, OMBUDSMAN, MAÎTRE-D’HÔTEL, TOP MODEL, DESINER, CROONER, FREE-LANCER (trabalho avulso, artista independente), CAMERA MAN, BARMAN. Ora, nada contra que, se um gajo quiser, ele fale engrolado. O pior é que nos faltam opções p o l i t i c a m e n t e adequadas e se eu tentar as minhas, no português, o colunista social vai me botar no canto dos babacas.

Ainda na messe da publicidade, um infeliz que mal fala o p o r t u g a bate de cara com terminologia bonitinha, pois então anotem aí: OUT-DOOR, FOLDER, STAND, CLIP, LAYOUT, JINGLE. E o jornal e/ou revista, lá onde se põe tais coisas, pensam que todo mundo é poliglota. Explicação nenhuma para o leitor leigo, como este um, que ainda nem falo o meu marruá portuga.

Santo Deus, em se tratando de terminologia técnica e científica, enfim, no terreno dos conhecimentos humanos todos, aí a coisa complica. Há glossários e mais glossários que explicam dificuldades específicas com minudências. Tive um celular cujo manual explicativo se resumia num livrão de mais de 180 páginas. E pensam que acrescento? Na área da Informática, atualmente, nem quero lhes falar. Mundão de termos estapafúrdios.

Na Psicologia, por ex., borbulham FEED-BACK, INSIGHT, ALTER EGO (primo pobre, pois este vem do latim), GESTALT (alemão). Até na Medicina, quando se tem um monte de exames, os meus patrícios têm que dizer – CHECK-UP. Um matuto da minha serra natal enganchou-se todo e, ao sair de uma consulta, quis saber se ‘check-up’ era algum tipo de operação, já que o médico lhe dissera ‘o senhor vai fazer um check-up’.

Por causa dos carões dos três doutores, na universidade, hoje amoleci minha pirraça com quem fala de modo engrolado (e olhem que já tentei lecionar inglês). Hoje não implico tanto com os estrangeirismos. Engulo-os como quem come um prato de e s c a r g o t. Viram como ando falando francês?

A contribuição dos estrangeirismos, nos diversos idiomas do planeta, é fato irrefutável. Do inglês, olhem cá, vejam isto aqui: Airbus, expert, all right, happy end, hot-dog, week-end, meeting, up-to-date, superstar, gentleman, water closet, hobby, marketing, drive-in, camping, script, lobby, backgroud, best-seller.

E do francês? Um filão sem fim: bas-fond, démodé, degrandé, coup de théâtre, à cote, écran, avant-première, art nouveau, frisson (deste eu gosto), glamour, marchand, soirée, pot-pourri, bonbonnière, nonsense, etc.

“Dolce far niente”, ó agradável ociosidade, este nosso artiguelho, crônica ou sei lá o quê. Viram como o uso do cachimbo de um lado só entorta a boca? Pus aspas no i t a l i a n ê s.

Agora, em conclusão, também não vou negar – até quero concordar com os três doutores (Lemos, Tarcísio e Luciano) – que, através dos empréstimos vindos de outras línguas, pelo democrático processo do aportuguesamento, somos, hoje, bem mais ricos nas jurisdições da lexicografia e da lexicologia.

Quanta coisa nova e bonita nós temos, aí, anexada ao imenso tesouro da fraseologia da nossa Língua Portuguesa, como legítimos aportuguesamentos dos estrangeirismos. Só alguns deles: a) f r a n c ê s: patê, cabaré, bordel, chatô, pincenê, chofer, chalé, bassê, bangalô, bibelô, bijuteria, cachê, buquê, bustiê, butique, complô, balé, ateliê, boate, benesse, bidê, braile (sistema linguístico), etc.; b) i n g l ê s: futebol, voleibol, caubói, xeroxar [reproduzir por Xerox (a marca), ou xérox (a fotocópia)], variando por xerocar, xerografar (são inumeráveis os anglicismos); c) i t a l i a n o: pizza, vendeta; d) j a p o n ê s: caratê, jiu-jítsu; e) r u s s o: glasnost (abertura, 1985); f) l a t i m (coisa quase nossa): ad aeternum, ad hoc, ad infinitum, ad libitum, sui generis, habitat, data venia (incontáveis termos e expressões, oriundos da nossa língua-mãe).

Dizendo como o fez Vieira, o de “Os sermões”, ‘eu peço desculpas por não ter tido tempo de ter sido breve’.

Fort., 03/07/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 03/07/2009
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T1681220
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