NOITE DE INVERNO

Da janela do apartamento observo o mar encrespado pelo vento sul que, por sua vez, assobia no alumínio da vidraça.

Nas ruas as pessoas caminham depressa, com agasalhos pesados, buscando suas casas e fugindo do vento gélido desta noite fria. A lua espia tudo com olhares claros e prateados.É o inverno que está aí novamente.

Eu gosto do inverno e já me precavi contra seus rigores e exigências.

No meu sofá favorito, na sala aquecida pelo calor de um aquecedor elétrico, entreaberto o livro que estou lendo -Laguna: um pouco do passado - de Norberto Ulysséa Ungaretti.Um estudo sobre a história e a genealogia de uma das cidades mais antigas do sul do país, a minha querida e histórica Laguna.

Em cima da mesa uma garrafa de vinho orgânico, tinto seco, com dois terços do seu liquido já degustados e metade de uma tainha assada na brasa que sobrou do jantar.

A família que estava reunida já foi dormir.Eu estou aqui, sozinho, escutando o CD Minha Ilha, do Grupo Gente Da Terra aqui de Floripa e sorvendo a última taça de vinho desta noite.

É uma noite gostosa destas tantas noites frias aqui do sul.

Tinha tudo para ser uma noite feliz para mim, se não fosse este aperto no peito que estou sentindo.Uma angústia que se instalou desde cedo da noite quando vinha para casa e encontrei debaixo da marquise do prédio da esquina um casal de pedintes.Estavam lá, homem e mulher, ao relento, encolhidos de frio e abandonados.Todos nós passamos olhamos e fomos em frente.Ao chegar em casa reuni algumas roupas quentes e voltei lá.Conversei com eles, dei-lhes as roupas e algum dinheiro.A imagem de dor, de sofrimento e de resignação de ambos, principalmente da mulher, me angustiou.Voltei para casa e deixei-os lá, mas trouxe comigo suas marcas e lembranças.

E agora fico pensando por que as coisas são assim? Uns tem tudo outros nada.O que podemos fazer para que corrigir essas coisas? O que eu posso fazer? Por que alguns sofrem tanto?Tantas perguntas sem respostas.

A lembrança daqueles dois rostos sofridos não sai do meu pensamento, me incomoda.

Volto à janela e observo que o mar continua bravio e o vento assobiando ainda mais forte na vidraça.A noite se encaminha para a madrugada.Já não há mais ninguém na rua e até a lua se recolheu.

Eu também preciso ir dormir, acho que o vinho me embaralhou as idéias.Talvez amanhã, mais lúcido, consiga as minhas respostas.

HAMILTON SANTOS
Enviado por HAMILTON SANTOS em 04/07/2009
Reeditado em 06/07/2009
Código do texto: T1682853