VOO 447: O MAR POR SEPULTURA?

As tragédias sempre marcam a humanidade, nem precisam ocorrer perto de nós, para que sejamos atingidos por elas, basta que envolvam pessoas que amam, sonham, que sejam gente como a gente. E dessa vez não foi diferente.

Talvez uma insuperável turbulência que ocasionou um arrebatamento de vidas em plena efervescência, uma fluência de almas tolhidas e tomadas no seu direito de ir e vir e até de se evadir. Através de um “tchau” caloroso, um aceno, ou talvez mesmo de um simples telefonema... Nenhum adeus, estou certa, quiçá um “até breve” ou “até um dia”; nunca “até que a morte nos separe” de repente. A desdita de Manoel Bandeira que vem quando quer, quando cisma e detém projetos, ceifa sonhos, intercepta corridas atrás do provável, do aconselhado ou do muito pretendido.

No melhor do resumo da ópera, uma viagem ao seio do Pai, nos braços tentaculados do destino que a tudo espalhou na profundidade em forma de mar, que não assinou a obra imperfeita. Uma página virada de repente, em parcos e desatinados segundos: uma lua de mel, um curso, uma especialização, um desejo acalentado há muito, um aniversário, outros não revelados, um sonho reticente. Desejos vários que adentraram a aeronave “segura”, contra a insegurança do próprio existir. Segurança que por si não basta, quando uma força maior pede mais de cada um, não apenas das 228 almas, mas de milhares de outras que se pilharam órfãs, abandonadas, decepcionadas, roubadas...

Sabemos, contudo, que a mancha que se alastrou no mar não era mesmo do avião do fatídico voo, mas um reflexo de uma indelével marca no peito de cada um que sobrevivemos aos solavancos e sobressaltos.

Como aceitar o mar por sepultura, se os amados que partiram sem aviso, carecem retornar, não para um possível reencontro, mas para que cada “bebê”, que adormeceu fora de seu berço, seja recolocado pra dormir, sem acalanto, é verdade, sabendo-se, que, de alguma forma, o que se resgatou está ali e não em qualquer outro lugar, ou em lugar nenhum.

Nenhum brasileiro envolvido mais de perto com as vítimas está preocupado no momento com o teor das conversas e sinais das caixas pretas, mas com a divagação sobre o que sentiu cada um dos seus, nos momentos que antecederam o funesto desfecho. Esta preocupação está presente, ao passo que aquela, tecnicamente insubstituível e necessária, para eles, pode esperar, que se ocupem delas os peritos ou os que no momento se possam interessar. O momento é de dor e de desconsolo.

A aflição está traduzida em várias línguas, o lamento por consolo se repete em diversos credos, a um único Deus, que permitiu, por seus insondáveis desígnios, que este fato ocorresse, pois, até os nossos cabelos da cabeça estão contados, está escrito em Mateus 10-30.

Enquanto todos torcemos pelo sucesso do resgate dos corpos, espalhemos imaginariamente, flores belíssimas ao longo da vastidão do mar, me ocorreu miosótis, também azuis, talvez. Qual seria a sua flor, qual seria a flor deles? Não importa, importa que amaram e se fizeram amar e farão muita falta e esses são os imprescindíveis.

Que o Deus eterno console o coração de todos e lhes devolva a esperança!