TRAMBIQUE

Não há em nenhum lugar do planeta quem não conheça um trambiqueiro. Aquela pessoa que acha muito normal comprar e não pagar ou somente cumprir com as suas obrigações morais depois de muito trabalho e canseira. E olhem lá!

Às vezes existem mesmo famílias de gente honesta, cumpridora das suas obrigações financeiras e há um ou outro fugindo à regra. Não é muito raro observar-se isto, mas numa família de quatro indivíduos e todos assim? Meu Deus do céu! Sorte demais!

Pois naquela pequena cidade do interior havia uma cujo pai, mãe, filho e filha... Saiam da frente. Não pagavam nem pela moléstia. Até promessas eram feitas e nada. Santo Antônio já estava ficando de cabeça branca de tantos responsos. A moça então, de seus vinte e poucos anos, professora recatada, era a mais velhaca e estava fora de atuação porque todos já a conheciam de longe e nada de cheques pré ou coisa parecida. Somente dinheiro vivo e na hora.

Ah! Mas Zequinha não acreditou. Saber ele até sabia, mas não sei por que cargas d’água, conseguiu comprar alguma coisa dele e pagar com cheque. Folha do cheque novinha, estalando, tanto tempo guardada dentro do talão.

Dia marcado para receber foi até a Caixa e o apresentou. O rapaz quando viu a emitente, abaixou-se para poder ver a cara do otário que estava por trás daquele vidro fosco, usado antigamente. Fez aquela cara de pena, repuxou um pouco os lábios e balançou a cabeça negativamente.

Zequinha partiu a procura da professora safada. Cidade pequena não foi difícil encontrá-la. Ela nem se perturbou e ainda desceu a lenha no governador sem vergonha, caloteiro que diz depositar o dinheiro num dia e não o faz e ela passando por aquele vexame todo e coisa e tal. A moça era boa de conversa e convenceu o Zequinha a reapresentar o cheque noutra ocasião.

Não deu outra. Mas desta vez o caixa nem olhou para ele, e, talvez por estar num daqueles dias em que a pessoa nem deveria levantar-se, disse-lhe que não adiantava ficar indo ali pois nunca haveria dinheiro para pagamento. Será que ele ainda não sabia?

- Parece marido traído! Disse bastante aborrecido.

Zequinha resolveu não mais procurar a vigarista. Poderia rasgar, botar fogo naquele danado de papel e esquecer. Pô! Todo mundo ali sabia e zombava dele por ter sido enganado por aquela “porcariinha” de nada e ele queria porque queria se livrar do voador em cima de outro. Não ia destruir aquilo. Tinha de achar um outro besta tanto quanto ele. Questão de honra.

Todo negócio que ele tentava realizar fracassava quando apresentava aquele maldito como pagamento. Ninguém queria aquilo e isso mais o atormentava porque geralmente as pessoas caiam na gargalhada e ele sentia mais bocó ainda, mas aguentava firme.

A sua sorte parecia ter mudado. A mãe da Trambique, como também era muito conhecida, estava vendendo uma porca com oito leitõezinhos e eles entabularam um negócio. Zezinho nunca teve porcos e nem estava a fim de tê-los, mas compraria aquela titica só para se livrar do azarento do cheque. Botou na cabeça: depois daquela ingenuidade, não mais conseguiu realizar nenhum bom negócio por ali. De certo culpa do cheque azarento, fedido.

Foi lá na chácara da mulher e imaginou, jurou até, que ela não ia ter cara nem coragem de não receber o cheque da própria filha e com este pensamento dava qualquer quantia pelos bichos. E assim foi feito. Ainda teve de botar alguns contos para completar o negócio, arranjou uma corda, amarrou na perna da porca e com uma varinha fina cambou o animal para o portão dos fundos. Negócio rápido.

A sua intenção era dar aquilo tudo para o primeiro que encontrasse pela ruazinha e que dissesse alguma coisa referente aos suínos. Olhava para aquela porca enorme, magrela e com os vazios chupados e o bando ruidoso de leitões acompanhando como um mimo. Pareciam peças de arte, rechonchudos, luzidios, refletindo o sol como se fossem folheados a ouro e nesse pensamento fantasioso, rindo sozinho, exorcizado do azar, feliz, feliz, ouviu:

- Seu Zequinha! Por favor! Espere um pouco!

E ele fixou o olhar naquela mulher de tornozelos grossos, sandálias havaianas nos pés, vindo na sua direção quase trotando e na mão direita aquele pedaço de papel azulado. Chegou perto, esticou o braço, tendo o maldito cheque preso entre dois dedos:

- O senhor me desculpe seu Zequinha, mas este cheque não aceito, não! Num sabe?

Dbadini
Enviado por Dbadini em 10/07/2009
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